Significado e limites do cinismo

O cinismo, principalmente na formulação de Diógenes e Crates, como já assinalamos, responde a algumas exigências de fundo da época helenística. Por esse motivo, teve um sucesso não muito inferior às grandes filosofias nascidas nessa época atormen­tada.

A denúncia cínica das grandes ilusões que inutilmente agi­tam os homens, quer dizer, 1) a busca do prazer, 2) o amor à riqueza,

1) a sede de poder e 4) o desejo de fama, brilho e sucesso, bem como a firme convicção de que elas conduzem o homem sempre e somente à infelicidade, seria repisada quer pela “Estoá” de Zenon, quer pelo “Jardim” de Epicuro, quer pelo “Abrigo” de Pirro, tomando-se um “lugar comum” repetido durante séculos inteiros. A exaltação da autarquia e da apatia, entendidas como as condições essenciais da sabedoria e até mesmo da felicidade, tomar-se-á precisamente o motivo condutor do pensamento helenístico.

A menor vitalidade que o cinismo demonstrou em relação ao estoicismo, ao empirismo e ao ceticismo é devida a) ao seu extre­mismo e anarquismo e, ademais, b) ao seu desequilíbrio de fundo e c) à sua objetiva pobreza espiritual.

a) O extremismo do cinismo consiste no fato de que a contestação das convenções e dos vedores consagrados pela tra­dição sistematicamente perseguida pelos cínicos, não deixa qua­se nada a salvo, faltando à escola propor valores alternativos positivos.

b) O desequilíbrio de fundo do cinismo é devido ao fato de reduzir o homem, em última análise, à sua animalidade, retendo essencialmente (e, em conseqüência, satisfazendo) quase que apenas as necessidades animais, ou se assim se preferir, as necessidades do homem primitivo; mas, ao mesmo tempo, propõe ao sábio um modelo de vida a realizar no qual são necessárias energias espirituais que vão bem além daquelas que a pura animalidade ou o homem no seu estado primitivo podem ter: exigem a atividade superior da psyché socrática, que, pouco a pouco, contudo, o cinismo esquece quase totalmente.

c) Finalmente, a pobreza espiritual do cinismo consiste não só no repúdio à ciência e à cultura, mas também na redução do aspecto propriamente filosófico da sua mensagem, a tal ponto que esta se toma incapaz de justificar-se teoricamente. A intuição emocional da validade da própria mensagem é o verdadeiro e único fundamento do cinismo.

Os antigos já haviam definido o cinismo como “o breve caminho para a virtude”. Mas em filosofia podemos dizer, com Hegel, que não há caminhos breves, ou seja, atalhos. E, com efeito, o estoicismo, que mais do que todas as outras filosofias helenísticas fez próprias as instâncias essenciais do cinismo, alongou conside­ravelmente o “caminho para a virtude”; mais exatamente, pela “mediação” e pelo esforço para dar conta, a fundo, de si mesmo e das próprias afirmações de base, conquistou os espíritos em medida bem maior do que o cinismo, suplantando-o radicalmente.