Como já dissemos, a ciência pitagórica era Cultivada como meio para alcançar um fim. E esse fim consistia na prática de um tipo de vida apto a purificar e a libertar a alma do corpo.
Pitágoras parece ter sido o primeiro filósofo a sustentar a doutrina da metempsicose, quer dizer, a doutrina segundo a qual a alma, devido a uma culpa originária, é obrigada a reencarnar-se em sucessivas existências corpóreas (e não apenas em forma humana, mas também em formas animais) para expiar aquela culpa. Os testemunhos antigos registram, entre outras coisas, que ele dizia recordar-se de suas vidas anteriores. Como sabemos, a doutrina provém dos órficos. Mas os pitagóricos modificaram o orfismo pelo menos em um ponto essencial. O fim da vida é libertar a alma do corpo. E, para alcançar esse fim, é preciso purificar-se.
Pois foi precisamente na escolha dos instrumentos e meios de purificação que os pitagóricos se diferenciaram claramente dos órficos. Estes só propunham celebrações mistéricas e práticas religiosas e, portanto, permaneciam ligados a uma mentalidade mágica, entregando-se quase que por inteiro ao poder taumatúrgico dos ritos. Já os pitagóricos atribuíram sobretudo à ciência o caminho da purificação, além de uma severa prática moral. Os próprios preceitos práticos que eles agregaram à ciência matemática e as regras de comportamento, embora em alguns casos fossem estranhos à ciência e talvez fruto de superstições originárias, logo foram refinados e interpretados em bases alegóricas—e, portanto, racionalmente purificados. O preceito de “não atiçar o fogo com a faca”, por exemplo, passou a ser entendido como símbolo do “não excitar com discursos ásperos quem está encolerizado”; “não acolher andorinhas em casa” passou a ser entendido como “não acolher em casa homens curiosos”; “não comer o coração” e homo “não afligir- se com amarguras”. Até o célebre preceito “não comer favas” passou a ser entendido com base em vários significados alegóricos. A “vida pitagórica” diferenciou-se claramente da vida órfica precisamente pelo culto da ciência como meio de purificação: desse modo, a ciência tomou-se o mais elevado dos “mistérios”.
E, como o fim último era o de voltar a viver entre os deuses, os pitagóricos introduziram o conceito do reto agir humano como tomar-se “seguidor de Deus”, como um viver em comunhão com a divindade. Como registra um antigo testemunho: “Tudo o que os pitagóricos definem sobre o fazer e o não fazer tem em vista a comunhão com a divindade: esse é o princípio e toda a sua vida ordena-se no sentido desse objetivo de deixar-se guiar pela divindade.”
Desse modo, os pitagóricos foram os iniciadores daquele tipo de vida que iria ser chamado (ou que eles próprios já chamavam) de “bios theoretikós”, “vida contemplativa”, ou seja, uma vida dedicada à busca da verdade e do bem através do conhecimento, que é a mais alta “purificação” (comunhão com o divino). Platão daria a esse tipo de vida a sua mais perfeita expressão no Górgias, no Fédon e no Teeteto.