O fim supremo do homem, ou seja, a felicidade

Depois das ciências teoréticas, na sistematização do saber, vêm as “ciências práticas”, que dizem respeito à conduta dos homens e o fim que eles querem atingir, seja considerados como indivíduos, seja como parte de uma sociedade política. O estudo da conduta ou do fim do homem como indivíduo é a “ética”; o estudo da conduta e do fim do homem como parte de uma sociedade é a “política”.

Comecemos pela ética.

Todas as ações humanas tendem a “fins” que são “bens”. O conjunto das ações humanas e o conjunto dos fins particulares para os quais elas tendem subordinam-se a um “fim último”, que é o “bem supremo”, que todos os homens concordam em chamar de “felicidade”.

Mas o que é a felicidade?

a) Para a maior parte, é o prazer e o gozo. Mas uma vida gasta para o prazer é uma vida que nos toma “semelhantes aos escravos”, uma vida “digna dos animais”,

b) Para alguns, a felicidade é a honra (para o homem antigo, a honra correspondia àquilo que é o sucesso para o homem de hoje). Mas a honra é algo extrínseco que, em grande parte, depende de quem a confere. E, de qualquer maneira, vale mais aquilo pelo qual se merece a honra do que a própria honra, que é resultado e conseqüência,

c) Para outros, a felicidade está em juntar riquezas. Mas essa, para Aristóteles, é a mais absurda das vidas, chegando mesrtio a ser vida “contra a natureza”, porque a riqueza é apenas um meio para outras coisas, não podendo portanto valer como fim.

O bem supremo realizável pelo homem (e, portanto, a felici­dade) consiste em aperfeiçoar-se enquanto homem, ou seja, na­quela atividade que diferencia o homem de todas as outras coisas. Assim, não pode consistir no simples viver como tal, porque até os seres vegetativos vivem, nem mesmo viver na vida sensitiva, que é comum também aos animais. Só resta, portanto, a atividade da razão. O homem que quer viver bem deve viver sempre segundo a razão: “Se estabelecemos como função própria do homem certo tipo de vida (precisamente essa atividade da alma e as ações acompanhadas da razão) e como função própria do homem de valor o concretizá-la bem e perfeitamente (...), então o bem do homem consiste em uma atividade da alma segundo a sua virtude e, quando as virtudes são mais de uma, segundo a melhor e a mais perfeita. Mas é preciso acrescentar: em uma vida completa. Com efeito, uma só andorinha não faz verão, nem um só dia; da mesma forma, um só dia não faz nenhum homem bem-aventurado ou feliz.”

Como se vê, o discurso socrático-platônico é plenamente acolhido aqui. Mais ainda, Aristóteles reafirma claramente que não apenas cada um de nós é alma, mas também é a parte mais elevada da alma: “Se a alma racional é a parte dominante e melhor, parece que cada um de nós consiste precisamente nela. (...) Fica, portanto, claro que cada um é sobretudo intelecto.” Assim, Aris­tóteles proclama os valores da alma como valores supremos, embora, com seu forte senso realista, reconheça uma utilidade também aos bens materiais em quantidade necessária, já que eles, mesmo não estando em condições de dar a felicidade com sua presença, podem (em parte) comprometê-la com sua ausência.