Provável discípulo de Tales, Anaximandro nasceu por volta de fins do século VII a.C. e morreu no início da segunda metade do século VI. Elaborou um tratado Sobre a natureza, do qual nos chegou um fragmento. Trata-se do primeiro tratado filosófico do Ocidente e do primeiro escrito grego em prosa. A nova forma de composição literária tomava-se necessária pelo fato de que o logos devia estar livre do vínculo da métrica e do verso para corresponder plenamente às suas próprias instâncias. Anaximandro foi ainda mais ativo do que Tales na vida política: com efeito, se tem conhecimento de que chegou até a “comandar a colônia que migrou de Mileto para Apolônia”.
Com Anaximandro, a problemática do princípio se aprofundou: ele sustenta que a água já é algo derivado e que, ao contrário, o “princípio” (arché) é o infinito, ou seja, uma natureza (physis) infinita e indefinida da qual provêm todas as coisas que existem.
O termo usado por Anaximandro é a-peiron, que significa aquilo que é privado de limites, tanto externos (ou seja, aquilo que é infinito espacialmente e, portanto, quantitativamente) como internos (ou seja, aquilo que é qualitativamente indeterminado). E precisamente por ser quantitativa e qualitativamente ilimitado é que o princípio-apeiron pode dar origem a todas as coisas, delimitando-se de vários modos. Esse princípio abarca e circunda, governa e sustenta tudo, justamente porque, como delimitação e determinação dele, todas as coisas dele se geram, nele consistindo e sendo.
Esse infinito “parece-se com o divino, pois é imortal e indestrutível”. Anaximandro não só atribui ao seu princípio as prerrogativas que Homero e a tradição antiga atribuíam aos deuses, ou seja, a imortalidade e o poder de sustentar e governar tudo, mas vai ainda além, precisando que a imortalidade do princípio deve ser tal a ponto de não apenas não admitir um fim, mas tampouco um início. Os deuses antigos não morriam, mas nasciam. Já o divino de Anaximandro, da mesma forma como não morre, também não nasce. Desse modo, como já se acenou a propósito de Tales, de um só golpe é derrubada a base sobre a qual se erguiam as teogonias, ou seja, as genealogias dos deuses como entendidas no sentido que as queria a mitologia tradicional dos gregos.
Desse modo, pode-se compreender ainda melhor o que já dissemos antes. Esses primeiros filósofos pré-socráticos são “naturalistas” no sentido de que não veem o divino (o princípio) como algo diferente do mundo, mas como a essência do mundo. Entretanto, não têm nada a ver com concepções do tipo materialista-ateizante.
Em Anaximandro, portanto, Deus toma-se o princípio, ao passo que os deuses tomam-se os mundos, os universos que, como veremos, são numerosos — os quais, porém, nascem e perecem ciclicamente.
Tales não se havia proposto a pergunta sobre o como e o por que da derivação de todas as coisas do princípio. Mas Anaximandro se propôs essa pergunta. E o fragmento do seu tratado que chegou até nós contém precisamente a resposta para esse problema: “De onde as coisas extraem o seu nascimento aí também é onde se cumpre a sua dissolução segundo a necessidade; com efeito, reciprocamente sofrem o castigo e a culpa da injustiça, segundo a ordem do tempo.”
Provavelmente, Anaximandro pensava no fato de que o mundo é constituído de contrários, que tendem a predominar um sobre o outro (calor e frio, seco e úmido etc.). A injustiça consistiria precisamente nessa predominância. O tempo é visto como juiz, à medida que estabelece um limite a cada um dos contrários, pondo fim no predomínio de um em favor de outro e vice-versa. Mas está claro que “injustiça” não é apenas a alternância dos contrários, mas também o próprio fato de serem contrários, pois para cada um deles o nascimento implica imediatamente na contraposição ao outro contrário. E, como o mundo nasce da cisão dos contrários, nisso se identifica a primeira injustiça, que deve ser expiada com a morte (o fim) do próprio mundo, que, depois, renasce ainda segundo determinados ciclos de tempo, infinitamente.
Assim, como alguns estudiosos notaram com agudeza, há dupla injustiça e, consequentemente, dupla necessidade de expiação: a) por um lado, o nascimento do mundo através da cisão da unidade do princípio em opostos; b) “por outro lado, a tentativa que cada um dos opostos realiza depois da cisão no sentido de usurpar, com ódio pelo outro, a condição de único sobrevivente e dominador, que seria, ao mesmo tempo, uma usurpação do lugar e dos direitos do divino imortal e indestrutível” (R. Mondolfo).
Nessa concepção (como muitos estudiosos notaram), parece inegável uma infiltração de concepções religiosas de sabor órfico. Como vimos, a ideia de uma culpa original e de sua expiação e, portanto, a ideia da justiça equilibradora, é uma ideia central do orfismo.
Nesse ponto, o logos de Anaximandro também toma a ideia central emprestada das representações religiosas. Já o seu discípulo Anaxímenes, como veremos, tentaria dar uma resposta puramente racional também para essa questão.
Assim como o princípio é infinito, também infinitos são os mundos, como já notamos, tanto no sentido de que este nosso mundo nada mais é do que um dos inumeráveis mundos em tudo semelhantes aos que os precederam e que os seguirão (pois cada mundo tem nascimento, vida e morte) como no sentido de que este nosso mundo coexiste ao mesmo tempo com uma série infinita de outros mundos (e todos eles nascem e morrem de modo análogo).
Eis como é explicada a gênese do cosmos: de um movimento, que é eterno, geraram-se os primeiros dois contrários fundamentais, o frio e o calor; originalmente de natureza líquida, o frio teria sido em parte transformado pelo fogo-calor, que formava a esfera periférica, no ar; a esfera do fogo se teria dividido em três, originando a esfera do boi, a esfera da lua e a esfera dos astros; o elemento líquido teria se recolhido às cavidades da terra, constituindo os mares.
Imaginada como tendo forma cilíndrica, a terra “fica suspensa sem ser sustentada por nada, mas permanece firme por causa da igual distância de todas as partes”, ou seja, por uma espécie de equilíbrio de forças. Sob a ação do sol, deveriam nascer do elemento líquido os primeiros animais, de estrutura elementar, dos quais, pouco a pouco, se teriam desenvolvido os animais mais complexos.
O leitor superficial estaria errando ao sorrir diante disso, considerando pueril essa visão, pois, como os estudiosos já ressaltaram há muito tempo, ela é fortemente antecipadora. Basta pensar, por exemplo, na arguta representação da terra sem necessitar de uma sustentação material (para Tales, ela “flutuava”, ou seja, se apoiava na água), sustentando-se em um equilíbrio de forças. Além disso constate-se também a “modernidade” da ideia de que a origem da vida tenha ocorrido com animais aquáticos e, em consequência, o brilhantismo da ideia de evolução das espécies vivas (embora concebida de modo extremamente primitivo). Isso é suficiente para mostrar todo o caminho que o logos já havia avançado para além do mito.