Tanto Zenão quanto a Estoá aceitam a tripartição da filosofia estabelecida pela Academia (que fora substancialmente acolhida por Epicuro, como já vimos), inclusive acentuando-a e não se cansando de foijar novas imagens para ilustrar do modo mais eficaz a relação existente entre as três partes. A filosofia em seu conjunto é comparada por eles a um pomar, no qual a lógica corresponde ao muro circundante, que delimita o âmbito do pomar e que cumpre ao mesmo tempo o papel de baluarte de defesa; as árvores representam a física, porque são como que a estrutura fundamental, ou seja, aquilo sem o que não existiria o pomar; finalmente, os frutos, que são aquilo a que todo o plantio visa, representam a ética.
Assim como os epicuristas, os estóicos atribuíam primariamente à lógica a tarefa de fornecer um critério de verdade. E, como os epicuristas, indicavam a base do conhecimento como a sensação, que é uma impressão provocada pelos objetos sobre os nossos órgãos sensoriais, a qual se transmite à alma e nela se imprime, gerando a representação.
Porém, segundo os estóicos, a representação veritativa não implica só um “sentir”, mas postula ademais um “assentir”, um consentir ou aprovar proveniente do logos que está em nossa alma. A impressão não depende de nós, mas da ação que os objetos exercitam sobre os nossos sentidos, mas estamos livres para tomar posição diante das impressões e representações que se formulam em nós, dando-lhes o assentimento (synkatáthesis) do nosso logos ou recusando dar-lhes nosso assentimento. Só quando existe o assentimento é que temos a “apreensão” (katálepsis). E a representação que recebeu nosso assentimento é “representação compreensiva ou catalética”, constituindo o único critério ou garantia de verdade.
A espontaneidade do assentimento, proclamada pelos estóicos, é de longe o ponto mais delicado de compreender, mas também o meus importante. Na verdade, essa “liberdade do assentimento” é fortemente ambígua, afinando até quase desaparecer logo que se busca provar sua consistência. Os estóicos pensaram durante muito tempo que o logos tinha, com relação à sensação, uma autonomia ou função reguladora do tipo daquela que encontramos nas modernas gnosiologias, como também pensavam que a representação catalética é uma espécie de síntese ou vim tipo de medição que o espírito opera sobre os dados sensoriais. A liberdade de assentimento não é, em última análise, senão o reconhecer e o dizer “sim” à evidência objetiva e o recusar e dizer “não” à não- evidência. A verdadeira convicção dos estóicos é que, na realidade, quando estamos efetivamente diante do objeto, produz-se em nós uma impressão e uma representação dotadas de tal força e evidência que naturalmente somos levados ao assentimento e, assim, à representação compreensiva; e que, pois, ao contrário, quando temos representação compreensiva, isto é, quando damos o assentimento a uma representação, encontramo-nos seguramente diante de um objeto real. Portanto, o pressuposto de uma plena correspondência entre presença real do objeto e representação evidente que leva ao assentimento, na realidade acaba por ser predominante, nesta concepção do critério da verdade. Assim, não seria difícil para os céticos descobrirem nesse ponto de doutrina estóica uma floresta de contradições e mostrar que nenhuma representação, enquanto tal, apresenta-se com conotações tais que mereça ou não, o nosso assentimento, sem possibilidade de equívoco.
Em substância, para os estóicos, a verdade própria da representação catalética é devida ao fato de que esta é uma ação e uma modificação material e “corpórea” que as coisas produzem sobre nossa alma, provocando uma resposta igualmente material e “corpórea” por parte da nossa alma. Por razões que esclarecemos melhor adiante, a própria verdade, segando os estóicos, é algo de material, “é um corpo”.
Contudo, os estóicos admitiram que nós passamos da representação catalética à intelecção e ao conceito. Admitiam, ademais, “noções ou prolepses inatas na natureza humana”. E, em conseqüência, foram constrangidos a dar conta da natureza dos universais. O ser, para os estóicos, é sempre e somente “corpo” e, ademais, individual; contudo, o universo não pode ser corpo, é um incorpóreo, não no sentido positivo platônico, mas no sentido negativo de “realidade empobrecida de ser”, uma espécie de ser ligado somente à atividade do pensamento.
Os estóicos afastaram-se notavelmente de Aristóteles, a- poiando-se na proposição como elemento-base da lógica (lógica proposicional) e privilegiando os silogismos hipotéticos e disjuntivos, sobre os quais Aristóteles não havia teorizado. Mas esta parte da lógica estóica, hoje grandemente revalorizada, permanece à margem do sistema. A “representação catalética” continuou sendo o verdadeiro ponto de referência para a Estoá, em virtude das razões expostas.