A consolidação do ecletismo com Antíoco de Áscalon

Antíoco, que foi discípulo de Fílon (nasce por volta do início dos anos vinte do século II a.C. e morre depois do 69 a.C.), separou- se do ceticismo cameadiano antes do mestre e, assim, como já dissemos, com suas críticas, induziu o mestre a mudar de rota. Mas, enquanto Fílon se limitava a afirmar a existência da verdade objetiva sem ter a coragem de declará-la cognoscível pelo homem e colocava no lugar da certerza a probabilidade positiva, Antíoco deu o grande passo, com o qual se encerra definitivamente a história da Academia cética, declarando a verdade não somente existente, mas também cognoscível e substituindo a probabilidade pela certeza veritativa.

Com base em tais afirmações, ele podia muito bem se apre­sentar como o restaurador do verdadeiro espírito da Academia. Todavia, às aspirações de Antíoco não corresponderam efetivos resultados. Na Academia de Antíoco, de fato, não é Platão que renasce, mas sim um amontoado eclético de doutrinas verdadei­ramente acéfalo, sem alma e privado de vida autônoma. Contudo, ele estava convencido de que o platonismo e o aristotelismo eram filosofias idênticas, que expressavam simplesmente os mesmos conceitos com nomes e linguagens diferentes. Mas, o que é alta­mente indicativo, Antíoco chegou exatamente a declarar a própria filosofia dos estóicos como substancialmente idêntica à platônico- aristotélica, diferindo apenas na forma. E certas novidades inegá­veis dos estóicos foram por ele consideradas apenas nada mais que melhoramentos, complementações e aprofundamentos de Platão, a ponto de Cícero poder escrever: “Antíoco, que era chamado de acadêmico, era, na verdade, bastando mudar pouquíssimas coisas, um verdadeiro estóico.”

Ele assinala substancialmente que os dois objetivos funda­mentais, cuja possibilidade de alcançar todos os céticos haviam contestado, ou seja, o critério da verdade e a doutrina do sumo bem, na realidade, são irrenunciáveis por quem quer que pretenda apresentar-se como filósofo e pretenda ter algo a dizer aos homens.

Com sua dúvida sobre nossas representações (isto é, sobre o critério da verdade), os céticos arruinam aquilo em que se baseia a existência humana. Por um lado, negado o valor da representa­ção, fica comprometida a própria possibilidade das diversas artes (que nascem da memória e da experiência). Por outro lado, negado o valor do critério, exclui-se qualquer possibilidade de estabelecer o que seja o bem, exclui-se a possibilidade de determinar o que seja a virtude e, assim, exclui-se a possibilidade de fundamentar uma autêntica vida moral. Sem uma sólida certeza e uma sólida convicção acerca do fim da vida humana e acerca das funções essenciais a cumprir, o empenho moral se toma vão.

Cícero (106-43 a.C.) foi o mais significativo representante do pensamento eclético.

Da mesma forma, segundo Antíoco, tampouco podemos nos entrincheirar no âmbito do mero “provável” porque, sem o critério distintivo do “verdadeiro”, será impossível encontrar também o do “provável”. Com efeito, se não é possível operar uma distinção entre as representações verdadeiras e as falsas faltando entre elas vima diferença específica, não será sequer possível estabelecer qual representação é “próxima do verdadeiro” ou “menos distante deste” e qual não é. Portanto, para salvar o provável, deve-se reintroduzir o verdadeiro. E também não será possível suspender o assenti­mento, em qualquer caso. Com efeito, a evidência de certas per­cepções comporta naturalmente o assentimento e, em todo caso, sem o assentimento não podemos ter nem memória, nem expe­riência e, em geral, não poderemos cumprir ação alguma e, em conseqüência, toda a vida se bloquearia.

Nem, ainda, se poderá colocar a culpa nos sentidos por nos enganarem. Quando os órgãos sensoriais não estão danificados e as condições externas são adequadas (como Aristóteles já subli­nhara), os sentidos não nos enganam e, assim, as representações não nos enganam. E não vale propor, como argumento em contrá­rio, os sonhos, as alucinações e coisas semelhantes: estas repre­sentações, com efeito, não são dotadas da mesma evidência em comparação com as representações sensoriais normais.

Até a validade dos conceitos, das definições e das demons­trações é inegável: atesta-os a própria existência das artes, incon­cebíveis sem eles. Ao extremo, demonstram-no os próprios ra­ciocínios dos céticos, que só podem ter um sentido enquanto os conceitos e as demonstrações em geral têm sentido.

Por fim, já vimos o dilema com o qual Antíoco pôs em crise o mestre Fílon, obrigando-o a abandonar Caméades. Em suma, segundo Antíoco, colocado contra a parede, o ceticismo deve pouco a pouco reconhecer inexoravelmente as verdades negadas e, assim, se dissolver.

A posição de Cícero

Cícero nasceu em 106 a.C. e morreu em 43 a.C., assassinado pelos soldados de Antônio. As numerosas obreis filosóficas que chegaram até nós foram escritas por ele no último período da sua vida. Em 64 a.C., escreveu os Paradoxa stoicorum; em 45 a.C., os Acadêmica, que nos chegaram só parcialmente. De 45 a.C. é também o De finibus bonorum et malorum. Em 44 a.C. foram publicadas as Tusculanae disputationes e o De natura deorum; ainda em 44 a. C. foi escrito o De officiis. A estas obras se agregam ainda: De fato, De divinatione, Cato maior de senectute e Laelius de amicitia. Finalmente, deve-se recordar as obras políticas De re publica eDe legibus. Do De re publica chegaram-nos os primeiros dois livros incompletos, fragmentos do III, do IV, do V e grande parte do livro VI, que ainda na Antigüidade teve vida autônoma, sob o título de Somnium Scipionis.

Assim como Fílon e Antíoco foram os mais típicos represen­tantes do ecletismo na Grécia, Cícero foi o meus característico representante do ecletismo em Roma. Diríamos, com uma metá­fora moderna, que Antíoco coloca-se claramente à direita de Fílon, enquanto Cícero segue mais a linha de Fílon. O primeiro elaborou vim ecletismo decididamente dogmático, o segundo um ecletismo precavido e moderadamente ceticizante. Sem dúvida, do ponto de vista filosófico, Cícero está abaixo de um e de outro, não apresen­tando nenhuma novidade que seja comparável às formulações do probabilismo positivo do primeiro ou à sagaz crítica anticética do segundo.

Se nos ocupamos de Cícero no âmbito da história da filosofia antiga, é mais por motivos culturais que teoréticos. Em primeiro lugar, Cícero oferece, em certo sentido, o mais belo paradigma da mais pobre filosofia, que mendiga em cada escola migalhas de verdade. Em segundo lugar, Cícero é de longe a mais eficaz, a mais vasta e a mais significativa ponte através da qual a filosofia grega se introduziu na área de cultura romana e, depois, em todo o Ocidente: e esse também é um mérito não teorético, mas de mediação, de difusão e de divulgação cultural. O que não impede que Cícero tenha intuições felizes e até agudas sobre problemas particulares, especialmente sobre as questões morais (o De officiis e as Tusculanae são, provavelmente, suas obras mais vitais), e até mesmo análises penetrantes: mas trata-se de intuições e análises que se colocam, por assim dizer, nos vales da filosofia; sobre os problemas que estão nas montanhas ele tem pouco a dizer, como, de resto, pouco tiveram para dizer todos os representantes da filosofia romana.

Os mestres freqüentados por Cícero indicam claramente a geografia do seu pensamento: quando jovem, ouviu o epicurista Fedro e, mais tarde, também Zenão, o Epicurista; ouviu também as lições do estóico Diódoto, conheceu a fundo o pensamento de Panécio e estabeleceu estreitas relações de amizade com Possidônio; foi influenciado por Fílon de Larissa de modo decisivo e, ademais, ouviu por um certo tempo também as lições de Antíoco de Áscalon. Leu Platão, Xenofonte, o Aristóteles esotérico e alguns filósofos da velha Academia e do Perípatos, mas sempre com os parâmetros da filosofia do seu tempo. De todos tomou e em todos buscou confirmações sobre determinados problemas, excetuados talvez apenas os epicuristas, com os quais polemizou vivamente. Ele próprio se autodefiniu como acadêmico da corrente filoniana: também para ele, com efeito, a probabilidade positiva está na base da filosofia. Ao operar a fusão eclética das várias correntes, pois, Cícero não deu contribuições essenciais, porque tal fusão já fora operada pelos mestres que ele ouviu, limitando-se ele a repropô-la em termos latinos e a amplificá-la quantitativamente.

Com razão escreveu C. Marchesi: “Cícero não deu novas idéias ao mundo (...). O seu mundo interior é pobre pelo fato de dar ouvidos a todas as vozes.” A sua maior contribuição reside, pois, na difusão e divulgação da cultura grega e, neste âmbito, é verdadei­ramente uma figura essencial na história espiritual do Ocidente. E ainda Marchesi quem escreve: “Também aqui se manifesta a força divulgadora e animadora do engenho latino, porque nenhum grego teria sido capaz de difundir o pensamento grego pelo mundo como fez Cícero.”