A Academia cética de Arcesilau

O ceticismo não se exaure com o círculo de pensadores vinculados a Pirro: enquanto Tímon fixava e desenvolvia nos seus escritos as linhas mestras do pirronismo, na Academia platônica Arcesilau (nascido em Pitana mais ou menos em 315 a.C. e morto aproximadamente em 240 a.C.) inaugurava uma nova fase da escola, assumindo posições em certos aspectos próximas às de Tímon e Pirro. O método irônico-refutatório que Sócrates e Platão usavam para buscar o verdadeiro foi largamente usado por Arce­silau no novo sentido cético, sendo por ele dirigida de modo maciço e implacável principalmente contra os estóicos, particularmente contra Zenão. Tratava-se de refutar a Estoá com suas próprias armas e reduzi-la ao silêncio. Em especial, Arcesilau contrapôs uma crítica acerba ao critério estóico da verdade, que os filósofos do Pórtico identificavam, como sabemos, à “representação catalética”. O eixo de sua crítica consistia no seguinte: “Se a apreensão é o assentimento da representação catalética, ela não existe em primeiro lugar porque o assentimento não se dá em relação à representação, mas em relação à razão (com efeito, os assenti­mentos são juízos); em segundo lugar, porque não se encontra nenhuma representação que resulte a tal ponto verdadeira que exclua qualquer falsidade.” Sendo assim, quando assentimos, corremos o risco de assentir a qualquer coisa que também pode ser falsa. Desse modo, aquilo que nasce do assentimento nunca pode ser certeza e verdade, mas somente opinião. Então, das duas, uma: ou o sábio estóico deverá contentar-se com opiniões ou então se isto é inaceitável para o sábio, dado que sábio é só aquele que possui a verdade, ele deverá suspender o assentimento, ser “acatalético”. A “suspensão de juízo” que os estóicos recomendavam só nos casos de falta de evidência, é assim generalizada por Arcesilau, uma vez estabelecido que “nunca existe evidência absoluta”.

Já destacamos que a epoché, como termo, senão também como conceito, parece ser invenção de Arcesilau e não de Pirro, enraizada exatamente no contexto dessa polêmica antiestóica. Como vimos, contudo, Pirro já falava de “abstenção de juízo” e de “adoxia”. Aissim, Arcesilau aprofundou e desenvolveu o conceito pirroniano e o aplicou habilmente à polêmica antiestóica.

Naturalmente, os estóicos reagiram vivamente, objetando que a suspensão radical do assentimento implicava a impossibili­dade de resolver o problema da vida (o único problema que, bem sabemos, interessava à filosofia da época) e tomava impossível qualquer ação. E Arcesilau respondeu com o argumento do “eúlogon” ou do “razoável” que pode ser resumido do seguinte modo: não é verdade que, suspendendo o juízo, a ação moral toma-se impos­sível. Com efeito, para explicar as ações morais comuns, os estói­cos, como vimos, introduziram os “deveres”, considerando-os ações que têm sua plausível e razoável justificação. Enquanto só o sábio era capaz de “ações morais perfeitas”, todos, porém, eram capazes de cumprir os deveres. Então, fica demonstrado que a ação moral é possível também sem que se encontre a Verdade e sem a certeza absoluta, dado que os “deveres” são possíveis mesmo sem a verda­de e a certeza absoluta. E mais — e esse parece ser o sentido do argumento — o razoável ou plausível basta para cumprir “ações retas”. Com efeito, quem cumpre ações razoáveis é feliz, mas a felicidade implica sabedoria (phrónesis); em conseqüência, as ações feitas com o critério do razoável são sábias, sendo portanto verdadeiras “ações retas”. E com isto se demonstra, com as armas dos próprios estóicos, ser suficiente o “razoável” e absurda a pretensão do sábio estóico e de sua moral superior

A Arcesilau, por fim, é atribuído um “dogmatismo esotérico”, ao lado do “ceticismo exotérico”. Em outras palavras, ele teria feito profissão de ceticismo externamente e de dogmatismo platônico no interior da Academia, com os discípulos mais íntimos. Mas trata- se provavelmente de uma invenção, dado que nossas fontes não estão em condições de dizer nada sobre a questão.