Zenão e o nascimento da dialética

As teorias de Parmênides devem ter causado grande estupor e suscitado vivas polêmicas. Mas como, partindo do princípio já exposto, as consequências se impõem necessariamente e, portanto, suas teorias tornam-se irrefutáveis, os adversários preferiam adotar outro caminho, isto é, mostrar no concreto, com exemplos bem evidentes, que o movimento e a multiplicidade são inegáveis.

E quem procurou responder a essas tentativas foi Zenão, nascido em Eléia entre o fim do século VI e o princípio do século V a.C. Zenão foi um homem de natureza singular, tanto na doutrina como na vida. Lutando pela liberdade contra um tirano, foi aprisionado. Submetido à tortura para confessar os nomes dos companheiros com os quais havia tramado o complô, cortou a língua com os próprios dentes e a cuspiu na face do tirano. Já uma variante da tradição diz que ele denunciou os mais fiéis partidários do tirano e, desse modo, fez com que fossem eliminados pela própria mão do tirano, que, assim, se auto-isolou e se autoderrotou. Essa narração reflete maravilhosamente o procedimento dialético que Zenão seguiu em filosofia. Infelizmente, de seu livro só nos chegaram alguns fragmentos e testemunhos.

Assim, Zenão enfrentou de peito aberto as refutações dos adversários e as tentativas de colocar Parmênides no ridículo. O procedimento por ele adotado consistiu em fazer ver que as consequências derivadas dos argumentos apresentados para re­futar Parmênides eram ainda mais contraditórias e ridículas do que as teses que visavam refutar. Ou seja, Zenão descobriu a refutação da refutação, isto é, a demonstração por absurdo: mos­trando o absurdo em que caíam as teses opostas ao eleatismo, estava defendendo o próprio eleatismo. Desse modo, Zenão fundou o método da dialética, usando-o com tal habilidade que maravilhou os antigos.

Os seus argumentos mais conhecidos são os que refutam o movimento e a multiplicidade. Comecemos pelos primeiros.

Pretende-se (contra Parmênides) que, movendo-se de um ponto de partida, um corpo pode alcançar uma meta estabelecida. No, entanto, isso não é possível. Com efeito, antes de alcançar a meta, tal corpo deveria percorrer a metade do caminho que deve percorrer e, antes disso, a metade da metade e, antes, a metade da metade da metade e assim por diante, ao infinito (a metade da metade da metade... nunca chega ao zero).

Esse é o primeiro argumento, chamado da “dicotomia”. Não menos famoso é o de “Aquiles”, o qual demonstra que Aquiles, conhecido por ser “o pé veloz”, nunca poderá alcançar a tartaruga, conhecida por ser muito lenta. Com efeito, se se admitisse o oposto, se apresentariam as mesmas dificuldades vistas no argumento anterior, só que de modo dinâmico, ao invés de estático.

Um terceiro argumento, chamado “da flecha”, demonstrava que uma flecha atirada por um arco, que a opinião comum crê estar em movimento, na realidade está parada. Com efeito, em cada um dos instantes em que o tempo de voo é divisível a flecha ocupa um espaço idêntico; mas aquilo que ocupa um espaço idêntico está em repouso; então, se a flecha está em repouso em cada um dos instantes, deve estar também na totalidade (na soma) de todos os instantes.

Um quarto argumento tendia a demonstrar que a velocidade, considerada como uma das propriedades essenciais do movimento, não é algo objetivo, mas sim relativo e, que, portanto, o movimento de que é a propriedade essencial também é relativo e não objetivo.

Não menos famosos foram os seus argumentos contra a multiplicidade, que levaram ao primeiro plano a dupla de conceitos múltiplos, que em Parmênides estava mais implícita do que explí­cita. Na maior parte dos casos, esses argumentos visavam demons­trar que, para haver a multiplicidade, deveria haver muitas unidades (dado que a multiplicidade é precisamente multiplici­dade de unidades). Mas o raciocínio (contra a experiência e os dados fenomênicos) demonstra que tais unidades são impensáveis, por­que comportam insuperáveis contradições, sendo portanto absur­das e, por isso, não podem existir. Eis, por exemplo, um dos argumentos que demonstra em que sentido são absurdas essas unidades que deveriam constituir o múltiplo: “Se os seres são múltiplos, é necessário que eles sejam tantos quantos são, nem de mais, nem de menos; ora, se eles são tantos quantos são, devem ser finitos', mas, se são múltiplos, os seres também são infinitos', com efeito, entre um e outro desses seres, haverá sempre outros seres pelo meio e entre um e outro destes haverá outros ainda (porque qualquer coisa que esteja entre uma coisa e outra é sempre divisível ao infinito); assim, os seres são infinitos.”

Um outro argumento interessante negava a multiplicidade baseando-se sobre o comportamento contraditório que muitas coisas juntas têm em relação a cada uma delas (ou parte de cada um). Por exemplo: caindo, muitos grãos fazem barulho, ao passo que um grão só (ou parte dele) não faz. Mas, se o testemunho da experiência fosse veraz, tais contradições não poderiam subsistir e um grão deveria fazer barulho (na devida proporção) como fazem muitos grãos.

Longe de serem sofismas vazios, esses argumentos consti­tuem poderosos empinos do logos, que procura contestar a própria experiência, proclamando a onipotência de sua lei. E logo teremos oportunidade de verificar quais foram os benéficos efeitos desses empinos do logos.