Xenófanes e suas relações com os eleatas

Xenófanes nasceu na cidade jônia de Cólofon, em tomo de 570 a.C. Por volta dos vinte e cinco anos de idade, emigrou para as colônias itálicas, na Sicília e na Itália meridional. Depois, conti­nuou viajando, sem moradia fixa, até uma idade bem adiantada, cantando tomo aedo as suas próprias composições poéticas, das quais nos chegaram alguns fragmentos.

Tradicionalmente, se tem considerado Xenófanes como fun­dador da escola de Eléia, mas com base em interpretações incor­retas de alguns testemunhos antigos. No entanto, ele próprio nos diz que ainda era um andarilho, sem morada fixa, até a idade de noventa e dois anos. Ademais, sua problemática é de caráter teológico e cosmológico, ao passo que os eleatas, como veremos, fundaram a problemática ontológica. Assim, justamente, consi­dera-se hoje Xenófanes como um pensador independente, tendo apenas algumas afinidades muito genéricas com os eleatas, mas certamente sem ligação com a fundação da escola de Eléia.

O tema central desenvolvido nos versos de Xenófanes é constituído sobretudo pela crítica à concepção dos deuses que Homero e Hesíodo haviam fixado de modo exemplar e que era própria da religião pública e do homem grego em geral. O nosso filósofo identifica de modo perfeito o erro de fundo do qual brotam todos os absurdos ligados a tal concepção. E esse erro consiste no antropomorfismo, ou seja, em atribuir aos deuses formas exterio­res, características psicológicas e paixões iguais ou análogas às que são próprias dos homens, só quantitativamente mais notáveis, mas não qualitativamente diferentes. Agudamente, Xenófanes objeta que se os animais tivessem mãos e pudessem fazer imagens de deuses, os fariam em forma de animal, assim como os etíopes, que são negros e têm o nariz achatado, representam seus deuses negros e com o nariz achatado ou os trácios, que têm olhos azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais características. Mas, o que é ainda mais grave, os homens também tendem a atribuir aos deuses tudo aquilo que eles mesmos fazem, não só o bem, mas também o mal:

Mas os mortais acham que os deuses nascem, que têm roupas, vozes e vultos como eles.

Homero e Hesíodo atribuem aos deuses

tudo aquilo que é desonra e vergonha para os homens:

roubar, cometer adultério, enganar-se mutuamente.

Assim, de um só golpe, são contestados do modo mais radical, na credibilidade, não apenas os deuses tradicionais, mas também os seus aclamados cantores. Os grandes poetas com base nos quais os gregos tradicionalmente se haviam formado espiritualmente agora eram declarados porta-vozes de mentiras.

Analogamente, Xenófanes também desmitifica as várias explicações míticas dos fenômenos naturais, que, como sabemos, eram atribuídos a deuses.

A breve distância de seu nascimento, a filosofia mostra a sua forte carga inovadora, desmontando crenças seculares que eram consideradas muito sólidas. Mas somente porque se radicavam no modo de pensar e de sentir tipicamente helénico: contesta qualquer validade a elas e revoluciona inteiramente o modo de ver Deus que era próprio do homem antigo. Depois das críticas de Xenófanes, o homem ocidental não poderá nunca mais conceber o divino se­gundo formas e medidas humanas.

Mas as categorias de que Xenófanes dispunha para criticar o antropomorfismo e denunciar a falácia da religião tradicional eram as categorias derivadas da filosofia daphysis e da cosmologia jónica. Consequentemente, é compreensível que ele, depois de negar com argumentos muito adequados que Deus possa ser concebido com formas humanas, acaba afirmando que Deus é o cosmos. Então, pode-se entender algumas de suas afirmações, que para muitos soaram como enigmáticas mas que, ao contrário, são evidentes no interior do horizonte do pensamento grego primitivo. Diz Aristóteles que, “estendendo as suas considerações à totali­dade do universo”, Xenófanes “afirmou que o imo é Deus”. Assim, o uno de Xenófanes é o universo, que, como ele próprio diz, “é uno, Deus, superior entre os deuses e os homens, nem por figura nem por pensamento semelhante aos homens”.

Como o Deus de Xenófanes é o Deus-cosmos, então pode-se compreender claramente as outras afirmações do filósofo:

Tudo ele vê, tudo ele pensa, tudo ele ouve.

Sem esforço, com a força de sua mente, tudo faz vibrar.

Permanece sempre no mesmo lugar sem se mover de modo algum,

que não lhe é próprio andar ora em um lugar, ora noutro.

Em resumo: o ver, o ouvir, o pensar e a onipotente força que faz tudo vibrar são atribuídos a Deus, não numa dimensão hu­mana, mas sim numa dimensão cosmológica.

Essa visão não contrasta com as informações dos antigos de que Xenófanes erigiu a terra como “princípio”, nem com suas precisas afirmações:

Tudo nasce da terra e na terra termina.

Todas as coisas que nascem e crescem são terra e água.

Com efeito, essas afirmações não se referem a todo o cosmos, que não nasce, não morre e não se toma nada, mas sim à esfera terrestre. E ele ainda apresenta provas bastante inteligentes de suas afirmações, como a presença de fósseis marinhos nas monta­nhas, sinal de que houve uma época em que havia mais água do que terra nesses lugares.

Xenófanes também ficou conhecido por sua visão moral de alto valor: contestando as ideias correntes, ele afirmava a supe- riodade dos valores da inteligência e da sabedoria sobre os valores vitais da robustez e da força física dos atletas, veneradíssimos na Grécia. Não é o vigor ou a força física que toma melhores os homens e as cidades, mas sim a força da mente, à qual cabe a máxima honra.