A substância supra-sensível

Para completar o conhecimento do edifício metafísico aristotélico ainda resta por examinar o procedimento através do qual Aristóteles demonstra a existência da substância supra- sensível.

As substâncias são as realidades primeiras, no sentido de que todos os outros modos dependem da substância, como vimos amplamente. Assim, se todas as substâncias fossem corruptíveis, não existiria absolutamente nada de incorruptível. Mas, diz Aristóteles, o tempo e o movimento são certamente incorruptíveis. O tempo não foi gerado nem se corromperá: com efeito, antes da geração do tempo, deveria ter havido um “antes” e, depois da destruição do tempo, deveria haver um “depois”. Ora, “antes” e “depois” outra coisa não são do que tempo. Em outras palavras: o tempo é eterno. O mesmo raciocínio vale também para o movimento, porque, segundo Aristóteles, o tempo outra coisa não é do que uma determinação do movimento. Sendo assim, a eternidade do primeiro postula também a eternidade do segundo.

Mas em que condição pode subsistir um movimento (e um tempo) eterno? Com base nos princípios por ele estabelecidos estudando as condições do movimento na Física, o Estagirita responde: só se subsistir um Princípio primeiro que seja causa dele.

E como deve ser esse Princípio para ser essa causa?

a) Em primeiro lugar, diz Aristóteles, o Princípio deve ser eterno: se o movimento é eterno, eterna deve ser sua causa.

b) Em segundo lugar, o Princípio deve ser imóvel: com efeito, só o imóvel é “causa absoluta” do móvel. Aristóteles demonstrou rigorosamente esse ponto na Física. Tudo aquilo que está em movimento é movido por outro; e se esse outro, por seu turno, também está em movimento, é movido por outro ainda. Por exemplo: uma pedra é movida por um bastão; o bastão, por seu turno, move-se impelido pela mão; a mão é movida pelo homem. Em suma, para explicar cada movimento, é preciso referir-se a um princípio que, em si, não seja movido, pelo menos em relação àquilo que move. Com efeito, seria absurdo pensar que se pode remontar ao infinito, de motor em motor, porque seria impensável nesses casos um processo aoinfinito. Ora, sendo assim, não apenas deve haver princípios ou motores relativamente imóveis, dos quais derivam os movimentos singulares, mas também, forçosamente, deve haver um Princípio absolutamente primeiro e absolutamente imóvel, do qual deriva o movimento de todo o universo.

c) Em terceiro lugar, esse Princípio deve ser inteiramente privado de potencialidade, isto é, ato puro. Com efeito, se possuísse potencialidade, poderia também não mover em ato; mas isso é absolutamente absurdo, porque, nesse caso, não haveria um movimento eterno dos céus, isto é, um movimento sempre em ato.

Esse é o “Motor imóvel”, que outra coisa não é do que a substância supra-sensível que buscávamos.

Mas de que modo o Primeiro Motor pode mover permanecendo absolutamente imóvel? No âmbito das coisas que nós conhecemos existirá algo que saiba mover sem mover-se ele próprio? Aristóteles responde apresentando como exemplos coisas como “o objeto do desejo e da inteligência”. O objeto do desejo é aquilo que é belo e bom: o belo e o bom atraem a vontade do homem sem moverem-se de modo algum; da mesma forma, o inteligível move a inteligência sem mover-se. Analogamente, o Primeiro Motor “move do mesmo modo como o objeto de amor atrai o amante” e, como tal, permanece absolutamente imóvel. Evidentemente, a causalidade do Primeiro Motor não é uma causalidade do tipo “eficiente” (do tipo exercido por uma mão que move um corpo, pelo escultor que modela o mármore ou pelo pai que gera o filho), sendo, mais propriamente, uma causalidade de tipo “final” (Deus atrai e, portanto, move, como “perfeição”).

O mundo não teve um começo. Não houve um momento em que havia o caos (ou o não-cosmos), precisamente porque, se assim fosse, contradiria o teorema da prioridade do ato sobre a potência: ou seja, primeiro haveria o caos, que é potência, para depois haver o mundo, que é ato. Mas isso é tanto mais absurdo quando se sabe que, sendo eterno, Deus sempre atraiu o universo como objeto de amor; portanto, o universo sempre deve ter sido tal como é.