Foi bastante infeliz a sorte que coube a Aristóteles em sua escola durante toda a época helenística até os umbrais da época cristã. O seu maior discípulo, colaborador e sucessor imediato, Teofrasto (que, em 323/322 a.C., sucedeu a Aristóteles no cargo de dirigente da escola do Perípatos, que manteve até 288/284 a.C.), embora certamente estivesse à sua altura pela vastidão de seu conhecimento e pela originalidade de sua investigação no âmbito das ciências, não se mostrou à altura para compreender e, portanto, fazer os outros compreenderem o aspecto mais profundamente filosófico de Aristóteles. E ainda menos capazes de entender
Aristóteles mostraram-se os outros seus discípulos, que rapidamente recuaram para posições materialistas de tipo pré-socrático, enquanto que o sucessor de Teofrasto, Estratão de Lâmpsaco (que dirigiu o Perípatos de 288/284 a 274/270 a.C.), iria marcar o ponto de ruptura mais claro com o aristotelismo.
Mas, para além desse esquecimento ou dessa ininteligência do mestre, que se verifica nos discípulos e que, como vimos, tem um paralelo preciso na história da Academia platônica, há um outro fato que explica a má sorte de Aristóteles.
Ao morrer, Teofrasto deixou os prédios do Perípatos à escola, mas legou a Neleu de Scepsi a biblioteca que continha todas as obras não publicadas de^ Aristóteles. Ora, como sabemos, Neleu levou a biblioteca para a Ásia Menor e, ao morrer, deixou-a para os seus herdeiros. Estes esconderam os preciosos manuscritos em uma cantina, para evitar que caíssem nas mãos dos reis atalidas, que trabalhavam na constituição da biblioteca de Pérgamo. Assim, os escritos permanceram ocultos até que um bibliófilo chamado Apelicão os comprou, levando-os novamente para Atenas. Pouco depois da morte de Apelicão, eles foram confiscados por Sila (86 a.C.) e levados para Roma, onde foram confiados ao gramático Tirânion para transcrição. Entretanto, só foi feita uma edição sistemática por Andrônico de Rodes (décimo sucessor de Aristóteles), na segunda metade do século I antes de Cristo. Mas desse assunto deveremos tratar mais adiante.
Assim, da morte de Teofrasto em diante, o Perípatos foi privado precisamente daquilo que se pode considerar o instrumento mais importante de uma escola filosófica. Em especial, foi privado exatamente daquela produção aristotélica que continha a mensagem mais profunda e original do Estagirita, que consistia nas anotações, e no material das lições (os chamados escritos “esotéricos”). E bem verdade que, como ressaltaram alguns, certamente foram feitas algumas reproduções desses escritos e que, portanto, alguma cópia ficou no Perípatos, tornando assim um tanto romanceado o relato que nos foi legado por Estrabão. E também é verdade que o estudo atento dos antigos catálogos das obras de Aristóteles que chegaram até nós permite concluir que fiacaram em circulação outras cópias dos esotéricos de Aristóteles além das que foram levadas para a Ásia Menor. Entretanto, qualquer que seja a verdade a esse respeito, restam dois fatos incontestáveis: que o Perípatos mostrou durante longo tempo ignorar a maior parte dos escritos esotéricos e que eles só retomaram à ribalta depois da edição feita por Andrônico. Assim, se o Perípatos permaneceu de posse de alguma obra esotérica de Aristóteles depois de Teofrasto, o fato é que, por mais de dois séculos e meio, ninguém teve mais condições de fazer com que aquelas obras falassem. Desse modo, a época helenística leu predominantemente — aliás, quase exclusivamente — e com interesse sempre menor as obras exotéricas, as únicas que Aristóteles havia publicado, as quais careciam precisamente daquela força e daquela profundidade teorética que caracterizavam as obras esotéricas.
Assim, o Perípatos não esteve em condições de exercer influência filosófica de relevo e as suas discussões foram muito pouco além dos muros da escola. O alimento espiritual da nova época iria provir de outras escolas: o movimento cínico, o Jardim de Epicuro, a Estoá de Zenon e o movimento cético de Pirro.