A poética

Qual a natureza do fato e do discurso poético e a que visa?

São dois os conceitos sobre os quais devemos concentrar a atenção para poder compreender a resposta dada por nosso filósofo à questão: 1) o conceito de “mimese” e 2) o conceito de “catarse”.

1) Platão havia censurado fortemente a arte precisamente porque é mimese, isto é, imitação de coisas fenomênicas, que, como sabemos, são por seu turno imitações dos eternos paradigmas das Idéias, de modo que a arte torna-se cópia de cópia, aparência de aparência, extenuando o verdadeiro a ponto de fazê-lo desapare­cer. Aristóteles se opõe claramente a esse modo de conceber a arte, interpretando a “mimese artística” segundo uma perspectiva oposta, a ponto de fazer dela uma atividade que, longe de reproduzir passivamente a aparência das coisas, quase recria as coisas se­gundo uma nova dimensão, como ele diz de modo exemplar nesta passagem: “A função do poeta não é a de dizer as coisas acontecidas, mas sim as que poderiam acontecer e suas possibilidades, de acordo com a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, o historiador e o poeta não diferem pelo fato de que um diz em prosa e o outro em versos (já que a obra de Heródoto, mesmo que fosse em versos, não seria menos história, em versos, do que é sem versos), mas diferem no seguinte: um diz as coisas acontecidas e o outro aquelas que poderiam acontecer. Por isso, a poesia é coisa mais nobre e mais filosófica que a história, porque a poesia trata muito mais do universal, ao passo que a história trata do particular. E o universal é o seguinte: que espécie de coisas a que espécie de pessoas acontece de dizer ou fazer segundo verossimilhança ou necessidade, o que a poesia visa, mesmo colocando nomes próprios, ao passo que é particular aquilo que Alcebíades fez e o que sofreu.”

A dimensão segundo a qual a arte “imita”, portanto, é a dimensão do “possível” e do “verossímil”. E é precisamente essa dimensão que “universaliza” os conteúdos da arte, elevando-os a nível “universal” (evidentemente, não “universais” lógicos, mas simbólicos e fantásticos, como se diria mais tarde).

2) Enquanto a natureza da arte consiste na imitação do real segundo a dimensão do possível, sua finalidade consiste na “purificação das paixões”. E Aristóteles o diz fazendo referência explícita à tragédia, “que, por meio da piedade e do terror, acaba por efetuar a purificação de tais paixões”. Mas ele desenvolve um conceito análogo também em referência ao efeito da música.

O que significa então purificação das paixões?

Alguns acharam que Aristóteles estava falando de purifica­ção “das” paixões em sentido moral, quase como que uma subli­mação das paixões obtida através da eliminação daquilo que elas têm de inferior. Outros, porém, entenderam a “catarse” das paixões no sentido de remoção ou eliminação temporária das paixões, em sentido quase fisiológico, e portanto no sentido de libertação “em relação às” paixões. Pelos poucos textos que chegaram até nós, redunda claramente que a catarse poética não é certamente uma purificação de caráter moral (já que é expressamente distinta dela): parece que, embora com oscilações e incertezas, Aristóteles entrevia naquela agradável libertação operada pela arte algo de análogo àquilo que hoje nós chamamos “prazer estético”. Entre outras coisas, Platão havia condenado a arte também pelo motivo de que ela desencadeia sentimentos e emoções, reduzindo o ele­mento racional que os domina. Aristóteles subverte exatamente a interpretação platônica: a arte não se carrega de emotividade, mas sim se descarrega; ademais, aquele tipo de emoção que ela nos proporciona (que é de natureza inteiramente particular) não apenas não nos prejudica, mas até nos recupera.