Até o início do nosso século, as obras de Aristóteles eram lidas de modo sistemático-unitário. Mas, a partir da década de 20 deste século, esse método passou a ser contestado, sendo julgado anti- histórico. Tentou-se então substituí-lo pelo método histórico- genético, voltado para a reconstrução da parábola evolutiva do filósofo, lendo suas obras em função dela. Wemer Jaeger, que foi o fundador desse método, acreditou poder reconstruir uma parábola evolutiva que vai de vima adesão inicial ao platonismo, prossegue com uma crítica sempre mais crescente ao platonismo e às idéias transcendentes, passa por uma posição metafísica centrada no interesse pelas formas imanentes à matéria e, por fim, chega avima posição, senão de repúdio, pelo menos de desinteresse pela metafísica e um acentuado interesse pelas ciências empíricas e pelos dados constatados empiricamente e classificados. Em resumo, a história espiritual de Aristóteles seria a história de uma “desconversão” do platonismo e da metafísica e uma conversão ao naturalismo e ao empirismo.Essa evolução seria visível na comparação entre aquilo que conseguimos reconstituir das obras “exotéricas” de Aristóteles, escritas no período em que ele foi membro da Academia, e as obras “esotéricas”, em sua maioria constituídas pelos cursos ministrados por Aristóteles a partir do momento em que teve uma escola própria. E também seria visível considerando-se apenas estas últimas obras.
Pois também estas obras teriam sido elaboradas em fases sucessivas, já a partir do período que o filósofo transcorreu em Axo. Elas teriam nascido de alguns núcleos originários, fortemente platônicos, aos quais, pouco a pouco, teriam sido agregadas partes sempre novas, nas quais o Estagirita recolocava as questões de pontos de vista novos, sempre menos platônicos. Assim, as obras de Aristóteles que hojelemos teriam nascido de sucessivas estratificações, não apenas não possuindo uma “unidade literária”, mas não tendo tampouco vima “homogeneidade filosófica e doutrinária”. Com efeito, elas conteriam colocações de problemas e soluções que remontam a momentos da evolüção do pensamento aristotélico
As relações entre Platão e Aristóteles não apenas distantes entre si no tempo, mas também no que se refere à inspiração teorética, estando, portanto, em contraste entre si e, por vezes, até mesmo em contradição.
Depois de algumas décadas de extraordinário sucesso, o método histórico-genético exauriu-se depois de meio século, porque, ao passar pouco a pouco pelas mãos de diversos estudiosos, não apenas apresentou resultados diferentes dos alcançados por Jae- ger, mas até mesmo contrários aos dele. Mas, com tal método, alcançou-se um bom nível de conhecimento das particularidades da filosofia de Aristóteles (foram tentadas várias reconstruções das obras exotéricas) e emergiu toda uma série de tangências e relações dos escritos esotéricos com as “doutrinas não escritas” de Platão e com as doutrinas da Academia. Aristóteles deixou de ser aquele bloco monolítico que era considerado anteriormente, revelando precisas raízes históricas antes não consideradas ou subestimadas. Em suma, manifestou aquilo que deve à sua época e aos seus antecessores. Entretanto, já há algum tempo que os estudiosos não acreditam mais na possibilidade de reconstruir “parábolas evolutivas” como a proposta por Jaeger. Sendo lidas sem prevenções, as obras de Aristóteles (mesmo sendo privadas de “unidade literária”, visto serem cursos e anotações) revelam uma unidade filosófica de fundo (embora: não se encontre nos particulares e mostre amplas margens de problematicidade). E foi justamente isso que, em última análise, interessou o Ocidente e ainda interessa a todos os que se propõem interrogações filosóficas.