Epicuro fomeceu pois aos homens um quádruplo remédio da seguinte forma: mostrou
1) que são vãos os temores em relação aos deuses e ao além,
2) que o pavor em relação à morte é absurdo, pois ela não é nada,
3) que o prazer, quando o entendemos corretamen- te, está à disposição de todos e,
4) finalmente, que o mal dura pouco ou é facilmente suportável.
O homem que souber aplicar esse quádruplo remédio em si mesmo poderá adquirir a paz de espírito e a felicidade, que nada e ninguém poderão atingir. Tomado, assim, totalmente senhor de si, o sábio não pode temer mais nada, nem mesmo os mais atrozes males e sequer as torturas: “O sábio será feliz mesmo entre os tormentos.” Diz Sêneca: “Epicuro diz inclusive que o sábio, se for queimado dentro do touro de Falárides, gritará: isto é doce e não me atinge de modo algum”; “Epicuro diz inclusive que é doce arder entre as chamas”.
E evidente que dizer que o sábio pode ser feliz mesmo sob as mais atrozes torturas (das quais o touro de Falárides é o exemplo extremo) é uma maneira paradoxal de dizer que o sábio é absolutamente “imperturbável” — e o próprio Epicuro deu uma demonstração disso quando, por entre os espasmos do mal que o levava à morte, escrevendo a um amigo o último adeus, proclamava que a vida é doce e feliz.
E assim, fortalecido por sua “ataraxia”, Epicuro capacita-se para poder dizer que o sábio pode competir, em felicidade, até com os deuses: exceto a eternidade, Zeus não possui nada mais além do sábio.
Para os homens de seu tempo, agora privados de tudo o que tomava a vida segura para os antigos gregos e atormentados pelo pavor e pela angústia do viver, Epicuro indicava um novo caminho para o reencontro da felicidade e pregava uma palavra que era como que um desafio à sorte e à fatalidade. Mostrava que a felicidade pode vir de dentro de nós, embora as coisas estejam fora de nós, porque o verdadeiro bem, à medida que vivemos e enquanto vivemos, está sempre e somente em nós: o verdadeiro bem é a vida, para mantê-la basta pouquíssimo e esse pouquíssimo está à disposição de todos, de cada homem — e todo o resto é vaidade.
Sócrates e Epicuro são os paradigmas de duas grandes fés e, portanto, de duas religiões leigas: a fé e a religião da “justiça”, a fé e a religião da “vida”.