Desenvolvimento do epicurismo na época helenística

Epicuro não só propôs, mas impôs essa doutrina aos seus seguidores com férrea disciplina, a ponto de no “Jardim” não haver lugar para conflitos de idéias e desenvolvimentos doutrinários de relevo, pelo menos sobre questões de fundo. Os estudiosos se sucederam em Atenas, da morte de Epicuro (270 a.C.) até a primeira metade do século I a.C. Sabe-se que na segunda metade desse século, o terreno no qual surgira a escola de Epicuro havia

sido vendido e que o “Jardim” já estava morto em Atenas. Mas a palavra de Epicuro iria encontrar uma segunda pátria na Itália. No século I a.C., por obra de Filodemo de Gádara (nascido por volta de fins do século II a.C. e morto entre 40 e 30 a.C.), constituiu-se um círculo de epicuristas, de caráter aristocrático, que teve sua sede numa vila de Herculano, de propriedade de Calpúmio Pisão, notável e influente político (foi cônsul em 58 a.C.) e grande mecenas. As escavações realizadas em Herculano levaram à redes- coberta dos restos da vila e da biblioteca, constituída por escritos de epicuristas e do próprio Filodemo.

Mas a contribuição de longe mais significativa para o epi­curismo deveria vir de Tito Lucrécio Caro, que constitui um unicum na história da filosofia de todos os tempos. Nascendo no início do século I a.C., morreu por volta de meados desse século. O seu De rerum natura que canta em versos admiráveis o pensa­mento de Epicuro, constitui o maior poema filosófico de todos os tempos.

Quanto à doutrina, Lucrécio repete fielmente Epicuro. A sua inovação consiste na poesia, ou seja, no modo como soube expor a mensagem que vinha do “Jardim”: “Para libertar os homens, Lucrécio compreendeu que não se tratava de obter, nos momentos de fria reflexão, sua adesão a alguma verdade de ordem intelectual, mas que era preciso tomar essas verdades, como poderia dizer Pascal, compreensíveis ao coração” (P. Boyancé). Com efeito, confrontando as passagens do poema lucreciano com as correspon­dentes passagens de Epicuro, pode-se concluir que a diferença é quase sempre esta: o filósofo fala com a linguagem do logos, ao passo que o poeta acrescenta os tons persuasivos do sentimento e da intuição fantástica — em suma, é a magia da arte. Uma só diferença subsiste, no restante, entre Epicuro e Lucrécio: o pri­meiro soube aplacar suas angústias, até existencialmente; Lu­crécio, ao contrário, foi a vítima delas, tendo se suicidado aos quarenta e quatro anos.