Platão recusou-se sempre terminantemente a escrever sobre os últimos princípios. Entretanto, mesmo em relação aos temas a respeito dos quais considerou que pudesse escrever, buscou sempre evitar conferir-lhes tratamento “sistemático”, procurando reproduzir o espírito do diálogo socrático, cujas peculiaridades buscava imitar. Tentou reproduzir o jogo das perguntas e respostas, com todos os meandros da dúvida, com as fugazes e imprevistas revelações que impulsionam para a verdade sem, porém, revelá-la,convidando a alma do ouvinte a realizar o seu encontro com ela, com as rupturas dramáticas de seqüência que preparam para ulteriores investigações: em suma, toda aquela dinâmica tipicamente socrática estava presente. Nasceu assim o “diálogo socrático”, que se tomou um gênero literário específico, adotado por numerosos discípulos de Sócrates e por filósofos porteriores, gênero cujo inventor foi provavelmente Platão e do qual certamente ele foi o maior representante, ou melhor, o único representante autêntico, porquanto somente em Platão é possível reconhecer a verdadeira natureza do filosofar socrático que, nos outros escritores, decai ao nível de mero expediente forçado.
Conseqüentemente, para Platão, o escrito filosófico apresentava-se como “diálogo”, que freqüentemente teria Sócrates como protagonista, discutindo com vim ou vários interlocutores, ao lado dos quais surgirá o leitor, com função igualmente importante, chamado a participar também como interlocutor absolutamente insubstituível, no sentido que cabe precisamente ao leitor a tarefa de extrair maieuticamente a solução dos diversos problemas discutidos.
Com base no exposto, é evidente que o Sócrates dos diálogos platônicos passa de “pessoa” histórica a “personagem” da ação dialógica, a tal ponto que, para entender Platão, como já bem observava Hegel, “não importa indagar sobre o que pertence a Sócrates ou a Platão nos diálogos”. Na verdade, Platão realiza sempre, desde o início,vima transposição do plano histórico para o plano teórico: e é nessa perspectiva teórica que devem ser lidos todos os escritos platônicos.
Assim, o Sócrates dos diálogos, na realidade, é Platão. E o Platão escrito, pelos motivos acima aduzidos, deve ser lido levando- se em conta o Platão não escrito. De qualquer forma, constitui erro ler os diálogos como fonte totalmente “autônoma” do pensamento platônico, repudiando a tradição indireta.