“Sofista” é um termo que significa “sábio”, “especialista do saber”. A acepção do termo, que em si mesma é positiva, tomou-se, porém, negativa sobretudo pela tomada de posição fortemente polêmica de Platão e Aristóteles. Como já havia feito Sócrates, eles sustentaram que o saber dos sofistas era “aparente” e não “efetivo” e que, ademais, não era professado tendo em vista a busca desinteressada da verdade, mas sim com objetivos de lucro. Platão, em especial, insistiu na periculosidade das ideias dos sofistas do ponto de vista moral, bem como em sua inconsistência teorética. Durante muito tempo, os historiadores da filosofia adotaram, além das informações fornecidas por Platão e Aristóteles sobre os sofistas, também as suas avaliações, de modo que, geralmente, o movimento sofista foi desvalorizado, sendo considerado predominantemente como um momento de grave decadência do pensamento grego. Somente em nosso século é que foi possível uma revisão sistemática desses juízos e, consequentemente, uma radical reavaliação histórica dos sofistas. Hoje, as conclusões extraídas por W. Jaeger são compartilhadas por todos. Escreve ele: “... os sofistas são um fenômeno tão necessário quanto Sócrates e Platão; aliás, sem eles, estes são absolutamente impensáveis”.
Com efeito, os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmos para o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade. E compreensível, portanto, que a sofística tenha feito de seus temas predominantes a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião e a educação, ou seja, aquilo que hoje chamamos a cultura do homem. Assim, é exato afirmar que, com os sofistas, inicia-se o período humanista da filosofia antiga.
Esse deslocamento radical do eixo da filosofia se explica pela ação conjunta de dois diferentes tipos de causas. Por um lado, como vimos, a filosofia da physis pouco a pouco havia exaurido todas as suas possibilidades. Com efeito, todos os caminhos já haviam sido palmilhados e o pensamento “físico” havia chegado aos seus limites extremos. Desse modo, era fatal a busca de outro objetivo. Por outro lado, no século V a.C., manifestaram-se fermentos sociais, econômicos e culturais que, ao mesmo tempo, favoreceram o desenvolvimento da sofística e, por seu turno, foram por ele favorecidos.
Antes de mais nada, recordemos a lenta mas inexorável crise da aristocracia, acompanhada pari passu pelo sempre crescente poder do demos, o povo; o afluxo sempre mais maciço de estrangeiros às cidades, especialmente em Atenas, com a ampliação do comércio, que, superando os limites de cada cidade, levava cada uma delas ao contato com um mundo mais amplo; a difusão dos conhecimentos e experiências dos viajantes, que levavam à inevitável comparação entre os usos, costumes e leis helénicos e usos, costumes e leis totalmente diferentes. Todos esses fatores contribuíram fortemente para o surgimento da problemática sofística. A cri.se da aristocracia implicou também na crise da antiga areté, os valores tradicionais, que eram precisamente os valores apreciados pela aristocracia. A crescente afirmação do poder do demos e a ampliação dá possibilidade de aceder ao poder a círculos mais vastos fizeram cair a convicção de que a areté estivesse ligada à nascença, isto é, que se nascia virtuoso e não se tomava, colocando em primeiro plano a questão de como se adquire a “virtude política”. A ruptura do círculo restrito da polis e o conhecimento de costumes, usos e leis opostos deveriam constituir a premissa do relativismo, gerando a convicção de que aquilo que era considerado eternamente válido, na verdade, não tinha valor em outros meios e em outras circunstâncias. Os Sofistas souberam captar de modo perfeito essas instâncias da época angustiada em que viveram, sabendo-as explicitar e dar-lhes forma e voz. E isso explica por que eles alcançaram tanto sucesso, especialmente entre os jovens: eles respondiam a reais necessidades do momento, propondo aos jovens a palavra nova que eles esperavam, já que não estavam mais satisfeitos com os valores tradicionais que a velha geração lhes propunha nem com o modo como os propunha.
Tudo isso permite-nos compreender melhor certos aspectos da sofistica pouco apreciados no passado ou até julgados negativamente:
Movimento sofístico
a) Além da busca do saber enquanto tal, é verdade que os sofistas visavam objetivos práticos, sendo essencial para eles a busca de alunos (que não era essencial para os físicos). Entretanto também é verdade que a objetivação prática das doutrinas sofistas apresenta também um aspecto altamente positivo: com efeito, com os sofistas, o problema educacional e o compromisso pedagógico emergem para o primeiro plano e assumem um novo significado. De fato, eles se fazem porta-vozes da ideia de que a “virtude” (a areté) não depende da nobreza do sangue e da nascença, mas se funda no saber. Assim, pode-se compreender por que, para os sofistas, a pesquisa da verdade estava ligada necessariamente à sua difusão. A ideia ocidental de “educação” com base na “difusão do saber” deve muito aos sofistas.
b) E verdade que os sofistas exigiam compensação pecuniária por seus ensinamentos. Isso escandalizava imensamente os antigos, porque, para eles, o saber era fruto de desinteressada comunhão espiritual, ao passo que só os aristocratas e ricos tinham acesso ao saber, pois já tinham os problemas práticos da vida resolvidos, dedicando ao saber o espaço de tempo “livre das necessidades”. Já .os sofistas haviam feito do saber uma profissão, devendo portanto exigir uma compensação para que pudessem viver e difundi-lo, viajando de cidade em cidade. Claro, pode-se censurar alguns sofistas pelos abusos em que caíram, mas não pelo princípio que introduziram, o qual, aliás, embora só depois de muito tempo, tomou-se uma prática comumente aceita. Assim, os sofistas rompiam com um esquema social que limitava a cultura só a determinadas camadas, oferecendo também a outras camadas a possibilidade de adquiri-la.
c) Os sofistas foram censurados por serem “nômades”, desrespeitando o apego à cidade, que, para o grego de então, era uma espécie de dogma ético. Mas, visto do enfoque oposto, mais uma vez essa atitude se mostra positiva: os sofistas compreenderam que os estreitos limites da polis não tinham mais razão de ser e fizeram- se portadores de instâncias pan-helênicas—mais do que cidadãos de uma simples cidade, sentiam-se cidadãos da Hélade. Nesse ponto, inclusive, eles souberam até ver além de Platão e Aristóteles, que continuaram a ver na Cidade-Estado o paradigma do Estado ideal.
d) Os sofistas manifestaram tuna notável liberdade de espírito em relação à tradição, às normas e aos comportamentos codificados, mostrando uma confiança ilimitada nas possibilidades da razão. Por esse motivo, foram chamados “os iluministas gregos”, expressão que, oportunamente circunstanciada e historicizada, os define muito bem.
e) Os sofistas não constituem, de modo algum, um bloco compacto de pensadores. L. Robin escreveu justamente que “a sofística do século V representa um complexo de esforços independentes para satisfazer, com meios análogos, a necessidades idênticas”. Já vimos quais eram essas necessidades. Resta examinar esses “esforços independentes” e esses “meios análogos”. Mas, para nos orientarmos preliminarmente, precisamos distinguir três grupos de sofistas: 1) os grandes e famosos mestres da primeira geração, que não eram em absoluto privados de reservas morais e que o próprio Platão considerou dignos de certo respeito; 2) os “erísticos”, que levaram o aspecto formal do método à exasperação, perderam interesse pelos conteúdos e também perderam a reserva moral dos mestres; 3) por fim, os “político-sofistas”, que utilizaram ideias sofistas em sentido “ideológico”, como diríamos hoje, ou seja, com finalidades políticas, caindo em excessos de vários tipos e chegando até à teorização do imoralismo.
Evidentemente, nos deteremos no primeiro grupo de sofistas, já que os outros são somente ou predominantemente a degeneração do fenômeno.