O círculo dos socráticos

Já vimos antes (em outro artigo) a profecia que Platão colocou na boca de Sócrates no sentido de que, depois de sua morte, os atenienses não teriam mais que se ver com um filósofo apenas,pedindo-lhes contas de suas vidas, mas sim com muitos filósofos, com todos os seus discípulos, que até aquele momento ele havia detido.

Com efeito, é verdade que os discípulos que continuaram a obra socrática, submetendo a exame a vida dos homens e refutando suas falsas opiniões, foram muitos e intrépidos, a ponto de, com suas doutrinas, subverterem todos os esquemas da tradição moral à qual se haviam agarrado os acusadores deSócrates. Mas também é verdade ainda algo mais do que isso: nenhum filósofo, antes ou depois de Sócrates, teve a ventura de ter tantos discípulos ime­diatos, com tal riqueza e variedade de orientações como aqueles que se formaram em seu magistério.

Em sua Vidas dos filósofos, Diógenes Laércio, dentre todos os amigos de Sócrates, aponta sete que foram mais representativos e ilustres: Xenofonte, Esquines, Antístenes, Aristipo, Euclides, Fédon e o maior de todos, Platão.Excetuando-se Xenofonte e Esquines, que não tiveram gêniopropriamente filosófico (o primeiro foi predominantemente historiador, o segundo literato),? todos os outros cinco foram fundadores de escolas filosóficas.

São muito diversos o sentido e a dimensão de cada uma dessas escolas, como também diversos são os resultados que alcançaram, como veremos de modo particularizado. Entretanto, cada um de seus fundadores devia sentir-se um autêntico (senão o único autêntico) herdeiro de Sócrates.Naturalmente, deixare­mos de lado Xenofonte e Ésquines de Esfeto, que, como dissemos, não foram propriamente filósofos, interessando mais à história e à literatura do que à história da filosofia. Mas estudaremos, logo a seguir, Antístenes, Aristipo, Euclides, Fédon e suas escolas, que veremos ser, por muitas razões, escolas socráticas “menores”. Já á Platão dedicaremos todo um amplo capítulo, devido aos grandes resultados de sua especulação.

De resto, os antigos já haviam diferenciado claramente Platão dos demais discípulos de Sócrates, narrando esta belíssima fábula do cisne: “Conta-se que Sócrates sonhou que tinha sobre os joelhos um pequeno cisne, que logo criou asas e levantou vôo, cantando docemente. No dia seguinte, quando Platão apresentava- se a ele como aluno, disse-lhe Sócratesque o pequeno cisne era exatamente ele.”