A figura de maior relevo entre os socráticos menores foi Antístenes, que viveu na passagem entre os séculos V e IV a.C., filho de pai ateniense e mãe trácia. Freqüentou inicialmente os sofistas, tomando-se discípulo de Sócrates só em idade bastante avançada. Das numerosas obras que lhe são atribuídas, chegaram até nós apenas alguns fragmentos.
Antístenes destacou sobretudo a extraordinária capacidade prático-moral de Sócrates, como a capacidade de bastar-se a si mesmo, a capacidade de autodomínio, a força de ânimo, a capacidade de suportar o cansaço. E limitou ao mínimo indispensável o aspecto doutrinário, opondo-se duramente ao desenvolvimento lógico-metafísico que Platão imprimiu ao socratismo.
A lógica de Antístenes, portanto, revela-se um tanto reduti- va. Segundo o nosso filósofo, não existe uma definição das coisas simples: nós as conhecemos com a percepção e as descrevemos através de analogias. No que se refere às coisas complexas, a sua definição outra coisa não é do que a descrição dos elementos simples de que são constituídas. A instrução deve se concentrar na “bijsca dos nomes”, isto é, no conhecimento lingüístico. Só se pode afirmar de cada coisa o nome que lhe é próprio (por exemplo, o homem é “homem”) e, portanto, só se pode formular juízos tautológicos (afirmar o idêntico pelo idêntico).
A capacidade de bastar-se a si mesmo (não depender das coisas e dos outros, não-ter-necessidade-de-nada) de queSócrates havia falado foi levada às extremas conseqüênciaspor Antístenes, de modo que o ideal de autarquia tomou-se o fim essencial do seu filosofar.
Também foi radicalizado o autodomínio socrático, ou seja, a capacidade de dominar prazeres (e dores). O prazer — que, para Sócrates, não era nem um bem nem um mal — toma-se para Antístenes um mal em absoluto, do qual deve-se fugir sempre e de qualquer modo, como dizem de forma icástica estas suas famosas máximas: “Eu preferia enlouquecer do que sentir prazer” e “Se pudesse ter Afrodite entre as mãos, eu lhe daria uma flechada”.
Ademais, Antístenes também combateu muitas das ilusões criadas pela sociedade, as quais nada mais fazem do que tolher a liberdade e fortalecer as cadeias da escravidão, chegando inclusive a sustentar que “a falta de glória e de fama é um bem”.
Para ele, o sábio não deve viver segundo as leis da Cidade, mas sim “segundo a lei da virtude”, devendo dar-seconta de que os deuses são muitos “para a lei” da Cidade, mas que há um só Deus “segundo a natureza”.
É evidente que a ética antistênica implica um esforço contínuo e um assíduo trabalho por parte do homem: trabalho no combater o prazer e os impulsos, trabalho no desligar-se das comodidades e das riquezas, trabalho no renunciar à fama, trabalho no opor-se às leis da cidade. E esse “trabalho”, precisamente, é -indicado como um bem e estreitamente vinculado à virtude. E mais: exatamente para ressaltar esse seu elevado conceito de trabalho (do ponos, como o chamavam os gregos), consagrou sua escola a Héracles (Hércules), o herói dos legendários trabalhos. E isso significava uma drástica ruptura com o sentimento comum, porque elevava a suprema dignidade e valor aquilo do qual a maioria fugia.
Por fim, Antístenes modificou a mensagem socrática em sentido antipolítico e individualista. Chegou até mesmo a sustentar que a sua mensagem, longe de valer para uma élite,era dirigida também aos “maus”. Aqueles que o censuravam por isso, ele respondia: “Os médicos também ficam junto aos doentes, mas nem por isso pegam febre.”
Antístenes fundou a sua escola no ginásio de Cinosarge (= cão ágil), de onde talvez a escola tenha tomado o nome com que ficou conhecida. Outras fontes relatam que Antístenes era denominado “cão puro”. Diógenes de Sinope, ao qual o Cinismo deve o seu florescimento máximo, denominou-se “Diógenes, o cão”. Mas a esse assunto devemos voltar adiante, quando daremos mais indicações sobre a natureza e o significado do “Cinismo”.