A última tentativa de responder aos problemas propostos pelo eleatismo permancendo no âmbito da filosofia da physis foi realizada por Lêucipo e Demócrito, com a descoberta do conceito de átomo.
Nativo de Mileto, Lêucipo foi para a Itália, indo para Eléia (onde conheceu a doutrina eleática), por volta de meados do século V a.C. De Eléia foi para Abdera, onde fundou a escola que seria elevada ao seu mais alto nível por Demócrito, nascido nesta mesma cidade. Demócrito era um pouco mais jovem do que seu mestre: talvez tenha nascido em tomo de 460 a.C. e morreu muito velho, alguns lustros depois de Sócrates. Foram-lhe atribuídos numerosos escritos, mas, provavelmente o conjunto dessas obras constituía o corpus da escola, para o qual confluíam as obras do mestre e de alguns discípulos. Realizou longas viagens e adquiriu uma vasta cultura, em diversos campos, talvez a maior que até aquele momento algum filósofo houvesse alcançado.
Os atomistas também reafirmam a impossibilidade do não- ser, sustentando que o nascer nada mais é do que “um agregar-se de coisas que j á existem” e o morrer “um desagregar-se”, ou melhor, um separar-se dessas coisas. Mas a concepção dessas realidades originárias é muito nova: trata-se de um “infinito número de corpos, invisíveis pela pequenez e o volume”. Tais corpos são indivisíveis, sendo por isso á-tomos (em grego, atomo significa o não-divisível) e, naturalmente, incriados, indestrutíveis e imutáveis. Em certo sbntido, esses “átomos” estão mais próximos do ser eleático do que das quatro “raízes” ou elementos de Empédocles ou das “sementes” ou homeomerias de Anaxágoras, porque são qualitativamente indiferenciados: todos eles são um ser-pleno do mesmo modo, sendo diferentes entre si somente na forma ou figura geométrica — e, como tais, mantêm ainda a igualdade do ser eleático de si consigo mesmo (absoluta indiferença qualitativa). Os átomos dos abderitas, portanto, são a fragmentação do Ser-Uno eleático em infinitos seres-unos, que aspiram a manter o maior número possível de características do Ser-Uno eleático.
Para o homem moderno, a palavra “átomo” evoca inevitavelmente significados que o termo adquiriu na física pós-Galileu. Nos abderitas, porém, o átomo levava o selo do modo de pensar especificamente grego. Ele indica uma forma originária, sendo, portanto, átomo-forma, ou seja, forma indivisível. O átomo se diferencia dos outros átomos, além da figura, também pela ordem e pela posição. E as formas, assim como a posição e a ordem, podem variar ao infinito. Naturalmente, o átomo não é perceptível pelos sentidos, mas somente pela inteligência. O átomo, portanto, é a forma visível ao intelecto.
É claro que, para ser pensado como “pleno” (de ser), o átomo pressupõe necessariamente o “vazio” (de ser; portanto, o não-ser). Assim, o vazio é tão necessário como o pleno: sem vazio, os átomos- formas não poderiam se diferenciar nem se mover. Átomos, vazio e movimento constituem a explicação de tudo.
No entanto, está claro que os atomistas procuraram superar a grande aporia eleática, buscando salvar ao mesmo tempo a “verdade” e a “opinião”, ou seja, os “fenômenos”. A verdade é dada pelos átomos, que se diversificam entre si somente pelas diferentes determinações geométrico-mecânicas (figura, ordem e posição), bem como do vazio; os vários fenômenos ulteriores e suas diferenças derivam do diferente encontro dos átomos e do encontro posterior das coisas por eles produzidas com os nossos sentidos. Como escrevia Demócrito: “E opinião o frio e opinião o calor; verdade os átomos e o vazio.” Certamente, essa foi a mais engenhosa tentativa de justificar a opinião (a doxa, como a chamavam os gregos) que ocorreu no âmbito dos pré-socráticos.
Mas é necessário outro esclarecimento acerca do movimento. Os estudos modernos mostraram que é preciso distinguir três formas de movimento no atomismo originário: a) o movimento primigênio dos átomos devia ser um movimento caótico, com os volteios em todas as direções dados pela poeira atmosférica que se vê nos raios de sol que se filtram através da janela; b) desse movimento, deriva um movimento vertiginoso, que leva os átomos semelhantes a agregarem-se entre si e os diversos átomos a disporem-se de modos diversos, gerando o mundo; c) por fim, há um movimento dos átomos que se libertam de todas as coisas (que são compostos atômicos), formando os eflúvios (um exemplo típico é o dos perfumes).
É evidente que, desde que que os átomos são infinitos, também são infinitos os mundos que deles derivam, diferentes uns dos outros (mas, por vezes, também idênticos, pois, na infinita possibilidade de combinações, é possível verificar-se uma combinação idêntica). Todos os mundos nascem, se desenvolvem e depois se corrompem, para dar origem a outros mundos, ciclicamente e sem fim.
Os atomistas passaram à história como aqueles que colocaram o mundo “ao sabor do acaso”. Mas isso não quer dizer que eles não atribuem causas ao nascer do mundo (causas que, de fato, são as já explicadas), mas sim que não estabelecem uma causa inteligente, uma causa final. A ordem (o cosmos) é feito de um encontro mecânico entre os átomos, não projetado e não produzido por uma inteligência. A própria inteligência segue-se e não precede o composto atômico. Isso, porém, não impediu que os atomistas indicassem a existência de átomos em certo sentido privilegiados: lisos, esferiformes, de natureza ígnea, os constitutivos da alma e da inteligência. E, segundo testemunhos precisos, Demócrito teria até mesmo considerado tais átomos como divinos.
O conhecimento deriva dos eflúvios dos átomos que se desprendem de todas as coisas (como já dissemos), entrando em contato com os sentidos. Nesse contato, os átomos semelhantes fora de nós impressionam os semelhantes que estão em nós, de modo que o semelhante conhece o semelhante, analogamente ao que já havia dito Empédocles. Mas Demócrito insistiu também na diferença entre conhecimento sensorial e conhecimento inteligível: o primeiro nos dá só a opinião, ao passo que o segundo nos dá a verdade, no sentido que já apontamos.
Demócrito também ficou famoso por suas esplêndidas sentenças morais, que, no entanto, parecem provir mais da tradição da sabedoria grega do que de seus princípios ontológicos. A ideia central dessa ética é a de que “a alma é a morada da nossa sorte” e que é precisamente na alma e não nas coisas exteriores ou nos bens do corpo que está a raiz da felicidade ou da infelicidade. Por fim, há uma máxima sua que mostra como já amadurecera nele uma visão cosmopolita: “Todo país da terra está aberto ao homem sábio, porque a pátria do homem virtuoso é o universo inteiro.”