A imortalidade da alma

Para Sócrates, era suficiente compreender que a essência do homem é a sua alma (psyché) para que se estabelecessem os fundamentos da nova moral. Por conseguinte, ao seu ver, não era necessário estabelecer ou não a imortalidade da alma; a virtude tem seu prêmio em si mesma e o vício o seu castigo. Para Platão, ao contrário, o problema se torna essencial: se, com a morte, o homem se dissolvesse totalmente no nada, a doutrina de Sócrates não seria suficiente para refutar os que negam a existência de todo e qualquer princípio moral (por exemplo, os sofistas-políticos, cujo exemplo paradigmático é Cálicles, personagem do Górgias). Além do mais, a descoberta da metafísica e a aceitação do núcleo essencial da mensagem órfica impunham a questão da imortalida­de como fundamental. Compreende-se,portanto, que Platão tenha retomado várias vezes ao assunto: inicialmente, de forma breve, no Menon; posteriormente, com três argumentos sólidos e trabalha­dos, no Fédon; por fim, com provas complementares de apoio, em A República e no Fedro.

Pode-se resumir a prova central do Fédon da seguinte forma: a alma humana, sustenta Platão, (de acordo com tudo o que vimos anteriormente) é capaz de conhecer coisas imutáveis e etemas. Ora, para poder conhecer tais coisas, ela deve possuir, como conditio sine qua non, uma natureza dotada de afinidade com essas coisas. Caso contrário, estas ultrapassariam as capacidade da alma. Conseqüentemente, como as coisas que a alma conhece são imutáveis e eternas, a alma também precisa ser eterna e imutável.

Nos diálogos anteriores ao Timeu, Platão parecia propor que as almas não nascem, assim como também não morrem. NoTimeu, ao contrário, elas são geradas pelo Demiurgo, com a mesma substância de que é feita a alma do mundo (composta de “essência”, de “identidade” e de “diversidade”). Logo, elas nasceriam, mas por precisa determinação divina, não estando sujeitas à morte, como não está sujeito à morte tudo o que o Demiurgo produz direta­mente.

Das várias provas apresentadas por Platão, um ponto resta definitivamente adquirido: a existência e a imortalidade da alma só têm sentido caso se admita a existência do ser meta-empírico. A alma constitui a dimensão inteligível, meta-empírico e, por isso mesmo, incorruptível do homem. Com Platão, o homem se descobre como ser de duas dimensões. E essa aquisição se mostrará ir­reversível, porque mesmo aqueles que viriam a negar uma das duas dimensões, atribuiriam à dimensão existente um significado totalmente diferente do significado que ela possuía quando a outra dimensão era ignorada.