É um lugar comum a afirmação segundo a qual os sofistas teriam contraposto a “lei” à “natureza”. Na realidade, essa contraposição não existe nem em Protágoras, nem em Górgias, nem em Pródico, mas, no entanto, está presente em Hípias, em Élida, e em Antifonte, que atuaram por volta de fins do. século V a.C.
Hípias é conhecido por ter proposto uma forma de conhecimento enciclopédico e por ter ensinado a arte da memória (mnemotécnica). Em seu ensinamento, dava amplo espaço à matemática e às ciências da natureza, porque pensava que o conhecimento da natureza fosse indispensável para a boa condução da vida, que devia seguir precisamente as leis da natureza, mais do que as leis humanas. A natureza une os homens, ao passo que a lei frequentemente os divide. Assim, ele deprecia a lei quando e no sentido que ela se opõe à natureza. Desse modo, nasce a distinção entre um direito ou uma lei natural e um direito positivo, ou seja, estabelecido pelo homem. O primeiro é eternamente válido, o segundo é contingente. E assim são lançadas as premissas que levarão a uma total dessacralização das leis humanas, que passarão a ser consideradas frutos de arbítrio. Entretanto, Hípias extraiu consequências mais positivas do que negativas da distinção que realizou. Em particular, ele ressalta que, com base na natureza (nas leis da natureza), não têm sentido as discriminações das leis positivas, que dividem os cidadãos de uma cidade dos de outra ou então que dividem os cidadãos no interior de uma mesma cidade. Desse modo, nascia um ideal cosmopolita e igualitário que era absolutamente novo para o mundo grego.
Antifonte radicaliza a antítese entre “natureza” e “lei”, afirmando, com expressões eleáticas, que a “natureza” é a “verdade” e que a “lei” positiva é a “opinião”, estando elas, portanto, quase sempre em antítese uma com a outra. Consequentemente, chega ao ponto de dizer que se deve seguir a lei da natureza e transgredir a dos homens, quando se puder fazê-lo impunemente.
As concepções igualitárias e cosmopolitas que emergiram com Hípias foram radicalizadas por Antifonte, que chega até mesmo a afirmar a igualdade de todos os homens: “Nós respeitamos e veneramos quem é de nobre origem, mas não respeitamos nem honramos quem é de nascença obscura. Nesse aspecto, nos comportamos uns em relação aos outros como bárbaros, já que, por natureza, somos todos absolutamente iguais, tanto gregos como bárbaros.”
O “iluminismo” sofístico dissolveu aqui não só os velhos preconceitos de casta da aristocracia e o tradicional fechamento da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos, sobre a sua superioridade em relação aos outros povos: cada cidadão de cada cidade é igual a cada cidadão de outra; cada homem de cada classe é igual a cada homem da outra; cada homem de cada país é igual a cada homem de outro, porque, por natureza, cada homem é igual a cada outro homem Infelizmente, Antifonte não chegou a dizer em que consiste tal igualdade e qual é o seu fundamento: no máximo, ele chega a dizer que todos somos, iguais porque todos temos as mesmas necessidades naturais, todos respiramos com a boca e o nariz etc. Mais uma vez, seria preciso esperar Sócrates para ter uma solução para o problema.