Já no século passado, mas sobretudo em nosso século, os estudiosos também acentuaram a liberdade política de que os gregos se beneficiavam em relação aos povos orientais. O homem oriental era obrigado a uma cega obediência ao poder religioso e político. No que se refere à religião, já mostramos a liberdade de que os gregos desfrutavam. No que tange à situação política, a questão é mais complexa. Entretendo, também se pode dizer que, nesse campo, os gregos igualmente gozavam de uma situação privilegiada, porque foi o primeiro povo da história que conseguiu construir instituições políticas livres.
Nos séculos VII e VI a.C., a Grécia sofreu uma transformação socioeconômica considerável. De país predominantemente agrícola que era, passou a desenvolver de forma sempre crescente a indústria artesanal e o comércio. Assim, tomou-se necessário fundar centros de distribuição comercial, que surgiram inicialmente nas colônias jónicas, particularmente em Mileto, e depois também em outros lugares. As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarretando um forte crescimento demográfico. O novo segmento dos comerciantes e artesãos alcançou pouco a pouco uma notável força econômica, passando a opor-se à concentração do poder político, que estava nas mãos da nobreza fundiária. Como nota E. Zeller, na luta que os gregos empreenderam para transformar as velhas formas aristocráticas de governo em novas formas republicanas, “todas as forças deviam ser despertadas e exercidas: a vida pública abria caminho para a ciência. O sentimento da jovem liberdade devia dar ao espírito do povo grego um impulso fora do qual a atividade científica não podia permanecer. Assim, se o fundamento do florescimento artístico e científico da Grécia foi construído contemporaneamente à transformação das condições políticas e em meio a vivas disputas, então não se pode negar a conexão entre os dois fenômenos. Ao contrário, entre os gregos, precisamente, a cultura é inteiramente e do modo mais agudo aquilo que será sempre na vida sadia de qualquer povo: ao mesmo tempo, fruto e condição da liberdade”.
Mas há um fato muito importante a destacar, confirmando de modo ainda melhor o que já dissemos: a filosofia nasce primeiro nas colonias e não na mãe-pátria. Mais precisamente, primeiro nas colônias orientais da Ásia Menor (em Mileto) e logo depois nas colônias ocidentais da Itália meridional — e só depois refluiu para a mãe-pátria. E isso aconteceu precisamente porque, com sua operosidade e com seu comércio, as colônias alcançaram primeiro uma situação de bem-estar e, devido à distância da mãe-pátria, puderam construir instituições livres antes do que ela. Portanto, foram as condições sociopolítico-econômicas favoráveis das colônias que, juntamente com os fatores ilustrados anteriormente, permitiram o surgimento e o florescimento da filosofia, que depois, passando para a mãe-pátria, alcançou os seus mais altos cumes em Atenas, ou seja, na cidade em que floresceu a maior liberdade de que os gregos jamais gozaram. Assim, a capital da filosofia grega foi a capital da liberdade grega.
Resta ainda uma última observação: com a constituição e a consolidação da polis, isto é, da Cidade-Estado, os gregos deixaram de sentir qualquer antítese e qualquer vínculo para a sua liberdade; ao contrário, foram levados a verem-se essencialmente como cidadãos. Para os gregos, o homem coincide com o cidadão. Assim, o Estado tomou-se o horizonte ético do homem grego, assim permanecendo até a era helenística: os cidadãos sentiam os fins do Estado como os seus próprios fins, o bem do Estado como o seu próprio bem, a grandeza do Estado como a sua própria grandeza e a liberdade do Estado como a sua própria liberdade.
Sem levarmos isso em conta, não poderemos compreender uma grande parte da filosofia grega, particularmente a ética e toda a política da era clássica e,, tamdepoisbém os complexos desdobramentos da era helenística.
Depois desses esclarecimentos preliminares, estamos agora em condições de enfrentar a questão da definição do conceito grego de filosofia.