Além das funções que examinamos, os animais possuem sensações, apetites e movimento. Assim, é preciso admitir um outro princípio para presidir essas funções. E esse princípio é precisamente a alma sensitiva.
A primeira função da alma sensitiva é a sensação, que, em certo sentido, é a mais importante e certamente a mais característica dentre as funções acima distintas. Alguns de seus antecessores haviam explicado a sensação como uma transformação, paixão ou alteração que o semelhante sofre por obra do semelhante (pode-se ver, por exemplo, Empédocles e Demócrito), outros como uma ação que o semelhante sofre por obra do dessemelhante. Aristóteles parte dessas tentativas, mas vai muito mais além. Mais uma vez, vai buscar a chave para interpretar a sensação na doutrina metafísica da potência e do ato. Nós temos faculdades sensitivas que não estão em ato, mas sim em potência, isto é, capazes de receber sensações. Elas são como o combustível, que só queima em contato com o comburente. Assim, a faculdade sensitiva, de simples capacidade de sentir, toma-se sentir em ato quando em contato com o objeto sensível. Aristóteles explica mais precisamente: “A faculdade sensitiva é, em potência, aquilo que o sensível já é em ato (...). Assim, ela sofre a ação enquanto não é semelhante; mas, depois de sofrê-la, toma-se semelhante, sendo como o sensível.” Pode-se perguntar: mas o que significa dizer que a sensação é tomar-se semelhante ao sensível? Não se trata, evidentemente, de um processo de assimilação do tipo daquele que tem lugar na nutrição. Com efeito, na assimilação que se dá na nutrição é assimilada também a matéria, ao passo que na sensação é assimilada apenas a forma: “Em geral, para toda sensação, é preciso ter presente que o sentido é aquilo que tem a capacidade de receber as formas sensíveis sem a matéria, como a cera recebe a marca do anel sem o ferro ou o ouro, isto é, recebe a marca do ferro ou do ouro, mas não enquanto ferro e ouro. De forma semelhante, o mesmo sofre o sentido por obra de cada ente que tem calor, sabor ou som, mas não porque cada um desses entes é dito tal coisa particular, mas sim porque ele tem uma dada qualidade e em virtude da forma.”
O Estagirita examina então os cinco sentidos e os sensíveis que são próprios de cada um desses sentidos. Quando um sentido capta o sensível próprio, então a respectiva sensação é infalível. Além, dos “sensíveis próprios”, há também os “sensíveis comuns” — como, por exemplo, o movimento, a quietude, a figura, a grandeza —, que não são perceptíveis por nenhum dos cinco sentidos em particular, mas podem ser percebidos por todos. Assim, pode-se falar de um “sentido comum”, que é como que um sentido não específico ou, melhor ainda, que é o sentido que atua de maneira não específica ao captar os sensíveis comuns. Ademais, indubitavelmente, também se pode falar de sentido comum a propósito do “sentir do sentir” ou do “perceber do perceber”. Quando o sentido atua de modo específico, pode cair facilmente em erro.
Da sensação derivarfi a fantasia, que é produção de imagens, a memória, que é a sua conservação, e, por fim, a experiência, que nasce da acumulação de fatos mnemónicos.
As outras duas funções da alma sensitiva mencionadas inicialmente são o apetite e o movimento. O apetite nasce em conseqüência da sensação: “Todos os animais têm pelo menos um sentido, ou seja, o tato. Mas quem tem a sensação sente prazer e dor, o agradável e o doloroso. E quem os experimenta tem também desejo: com efeito, o desejo é apetite do agradável.”
Por fim, o movimento dos seres vivos deriva do desejo: “o motor é único: a faculdade da apetência”, mais precisamente o “desejo”, que é “uma espécie de apetite”. E o desejo é posto em movimento pelo objeto desejado, que o animal capta através de sensações ou do qual, de qualquer forma, tem uma representação sensível. Assim, o apetite e o movimento dependem estreitamente da sensação.