O apogeu da medicina helenística com Erófilo e Erasístrato e sua posterior involução

No Museu de Alexandria, na primeira metade do século III a.C., realizaram-se pesquisas de anatomia e fisiologia muito importantes, sobretudo através dos médicos Herófilo da Calcedônia e Erasístrato de Júlida. A possibilidade de dedicar-se à pes­quisa voltada para o puro incremento do saber, o aparelhamento colocado à disposição pelo Museu e a proteção de Ptolomeu Fila- delfo, que permitiu a dissecação de cadáveres; fizeram com que tais ciências realizassem notáveis progressos. E certo que Erófilo e Erasístrato chegaram até mesmo a realizar operações de vivissecção em alguns malfeitores (com permissão real), suscitando muito alvoroço.

A Erófilo devem-se muitas descobertas no âmbito da anatomia descritiva (algumas ainda levam o seu nome). Ele superou defini­tivamente a concepção de que o órgão central do organismo vivo fosse o coração, demonstrando que, ao contrário, era o cérebro. Conseguiu também estabelecer a distinção entre nervos sensores e nervos motores. Retomando uma idéia do seu mestre Praxágoras, Erófilo estudou as pulsações e indicou o seu valor diagnóstico. Por fim, retomou a doutrina dos humores, de gênese hipocrática.

Erasístrato distinguiu as artérias das veias e sustentou que as primeiras contêm o ar, ao passo que as segundas têm sangue. Os estudiosos de história da medicina explicaram o equívoco, escla­recendo que a) com a denominação de “artéria”, os gregos indica­vam também a traquéia e os brônquios e b) que nos animais mortos (que eram seccionados) o sangue passa das artérias para as veias. As suas explicações fisiológicas adotaram critérios inspirados no mecanismo (especialmente de Estratão de Lâmpsaco). Toda a digestão, por exemplo, era explicada em função da mecânica dos músculos, ao passo que a absorção do alimento por parte dos tecidos era explicado com o princípio que passou para a história como princípio do horror vacui, segundo o qual a natureza tende a preencher todo vazio.

Mas esse momento de glória não durou muito tempo. Filino de Cós, discípulo de Erófilo, já se afastava do mestre e, provavel­mente sob a influência do ceticismo, abriu caminho para a escola que seria chamada dos médicos empíricos, que rejeitavam omomento teorético da medicina, confiando unicamente na experiência. Serapião de Alexandria consolidou essa orientação, que teve uma longa história até que, já na era cristã, fundiu-se com o neoceti- cismo, por obra de Menódoto (cf. pp. 318s) Por fim, devemos re­cordar que a doutrina de Erasístrato segundo a qual nas artérias circula ar constitui um antecedente da medicina que, sobretudo por influência da Estoá, daria muito relevo ao pneuma, fluido vital de natureza aérea que inspiramos com o ar (medicina pneumática). Mas teremos oportunidade de examinar a formulação mais sofis­ticada dessa doutrina, sintetizada com a tradicional doutrina humoral, quando falarmos de Galeno.