As matemáticas: Euclides e Apolônio

Em virtude da conformação própria do pensamento grego, a matemática foi sem dúvida a ciência que gozou de maior estima, de Pitágoras a Platão. Basta lembrar que, segundo a tradição, Platão mandou inscrever na entrada da Academia a frase “não entre quem não for geômetra”. E já vimos o papel e o peso que a matemática desempenhou tanto entre os pitagóricos como no platonismo.

Coube a Euclides, um dos primeiros cientistas que se trans­feriu para Alexandria, a honra de elaborar a suma do pensamento matemático grego com aqueles Elementos cuja base conceituai resistiu praticamente até o século XIX. Não sabemos quase nada da vida de Euclides. Todos os dados em nosso poder levam-nos a situar o ápice de sua vida em tomo do ano de 300 a.C. (as datas de 330-277 a.C. para a sua vida são convencionalmente assumidas como prováveis). Outras obras euclidianas (os Dados, a Ótica e Sobre as divisões, que nos chegaram em versões árabes) também se conservaram, mas são obras menos significativas. A ser verda­deiro, um episódio relatado por Proclo lança perfeita luz sobre o seu caráter: como o rei Ptolomeu lhe perguntou se não havia um caminho mais simples para introduzir as pessoas na matemática, Euclides respondeu que “não há caminhos reais nas matemáticas”.

O procedimento dos Elementos é o do discurso axiomático, ou seja, o procedimento segundo o qual, colocadas certas coisas, se­guem-se necessariamente outras, estruturalmente concatenadas. Nessa obra, encontramos em operação, de modo preciso, as estruturas da dedução próprias da lógica aristotélica, assim como a sua base teorética geral. E, como a base da lógica aristotélica prevê precisamente definições, princípios ou axiomas comuns e postulados específicos para cada ciência, os Elementos de Euclides apresentam uma série de definições, cinco postulados e os axiomas comuns: as definições calibram os termos que entram no discurso; os axiomas comuns são especificações do princípio da não-contra- dição, sobre o qual, segundo Aristóteles, nos devemos basear para desenvolver qualquer discurso lógico; os “postulados” são afirma­ções de base, de caráter fundamentalmente intuitivo (e, portanto, afirmações imediatas, ou seja, não demonstráveis e não mediá­veis), que constituem o próprio substrato da exposição. Como é sabido, o quinto postulado propôs inúmeros problemas e foi na tentativa de resolvê-los que nasceram as geometrias não-euclidianas. Mas, como deveremos falar disso ao seu tempo (cf. Vol. III), onde o quinto postulado é ilustrado com gráficos), não entraremos aqui nos detalhes das questões relativas aos postulados.

Devemos destacar porém que, em seus procedimentos argumentativos, Euclides usa freqüentemente o método da “redução ao absurdo”, que outra coisa não é senão o célebre elenchos, portador de uma gloriosa história, que se inicia inclusive com a escola eleática, particularmente com os célebres argumentos de Zenão prosseguindo depois com Górgias e a dialética socrática, com Platão e Aristóteles.

Juntamente com esse método, Euclides também usa aquele que, mais tarde, seria chamado “método da exaustão”, aplicado sobretudo nos últimos livros, mas que tem no décimo livro a sua primeira formulação paradigmática: “Tomando-se como dadas duas grandezas desiguais, se se subtrai da maior uma grandeza maior do que a metade, à parte restante uma outra grandeza maior do que a metade e assim sucessivamente, restará uma grandeza que será menor do que a grandeza menor tomada.” O exemplo que se costuma apresentar para esclarecer de modo intuitivo essa proposição é o seguinte: seja A a grandeza maior, por exemplo, um círculo, e B a grandeza menor; agora, subtraiamos ao círculo uma grandeza maior do que a sua metade, por exemplo, inscrevendo no círculo um quadrado (e, portanto, subtraindo da área do círculo a área do quadrado); então, prosseguimos, subtraindo à parte res­tante uma outra grandeza maior do que a metade, por exemplo, bissecando os arcos determinados do lado do quadrado e assim obtendo um octágono (que subtrairemos à área do círculo); assim procedendo por bissecção, obteremos pouco a pouco um polígono que tende a aproximar-se cada vez mais do círculo e, portanto, uma grandeza tal que, subtraída à do círculo, toma-se menor do que a grandeza B dada, qualquer que esta seja. Assim, por esse caminho, é sempre possível encontrar uma grandeza sempre menor do que qualquer grandeza dada, por menor que ela seja, porque não existe uma grandeza mínima. A propósito disso, A. Frajese recordou justamente Anaxágoras, que sustentava que há sempre um menor do que o menor (divisibilidade ao infinito das homeomerias), assim como também há sempre um maior em relação a qualquer coisa grande. Portanto, em Anaxágoras encontra-se um antecedente desse método.

Para dar uma idéia da riqueza do conteúdo dos Elementos, recordemos brevemente as temáticas nele tratadas: nos livros I-IV, é tratada a geometria plana; no livro V, a teoria das proporções; no livro VI, a teoria das proporções é aplicada à geometria plana; nos livros VII-VIII-IX, é tratada a teoria dos números; no livro X, estuda-se aquilo que se costuma denominar de “irracionalidade quadrática”; nos últimos três livros, é tratada a geometria sólida.

Muitas vezes, discutiu-se sobre a “originalidade” do conteúdo desses Elementos. Está fora de dúvida que Euclides recuperou tudo o que os gregos haviam pensado sobre a matéria nos três séculos anteriores. Mas também está fora de dúvida que, no caso, a genialidade está na síntese — e também de que foi na forma dessa síntese que a matemática grega fez história.

À parte Arquimedes, de quem falaremos logo, o maior mate­mático grego depois de Euclides foi Apolônio de Perga, que viveu na segunda metade do século III a.C. Tendo estudado em Alexan­dria, lecionou em Pérgamo. De sua autoria, chegaram até nós as Seções cônicas. Esse tema não era completamente novo, mas Apolônio repensou a fundo a proposição da matéria e a expôs de modo rigoroso e sistemático, introduzindo inclusive a terminologia técnica para designar os três tipos de cônicos, isto é, “elipse”, “pará­bola” e “hipérbole”. As Seções cônicas são consideradas pelos historiadores da matemática como uma obra-prima de primeira grandeza, dado que os próprios modernos pouco puderam acres­centar à matéria. Se Apolônio houvesse aplicado suas descobertas à astronomia, teria revolucionado as teorias gregas das órbitas planetárias. Mas, como se sabe, essas aplicações só seriam feitas na época moderna, por Kepler.