A revolução da “não-violência”

Muitíssimo se discutiu sobre as razões que levaram à conde­nação de Sócrates. Do ponto de vista jurídico, está claro que procediam os crimes que lhe foram imputados. Ele “não acreditava nos deuses da cidade” porque acreditava num Deus superior e “corrompia os jovens” porque lhes ensinava essa doutrina. En­tretanto, depois de se ter defendido corajosamente no tribunal, tentando demonstrar que estava com a verdade, mas não tendo conseguido convencer os juízes, aceitou a condenação e recusou-se a fugir do cárcere, apesar dos amigos terem organizado tudo para a sua fuga. As suas motivações eram exemplares: a fuga teria significado uma violação do veredito e, portanto, violação da lei. A verdadeira arma de que o homem dispõe é a sua razão e, portanto, a persuasão. Se, fazendo uso da razão, o homem não consegue alcançar seus objetivos com a persuasão, então deve se conformar, porque, como tal, a violência é tuna coisa ímpia. Como Platão coloca na boca de Sócrates: “Não se deve desertar, nem retirar-se, nem abandonar o seu posto, mas sim, na guerra, no tribunal e em qualquer lugar, é preciso fazer aquilo que a pátria e a cidade ordenam ou então persuadi-las em que consiste a justiça, ao passo que fazer uso da violência é coisa ímpia”. E Xenofonte escre­ve: “Preferiu morrer, permanecendo fiel à lei, do que viver vio­lando-a”.

Ao dotar Atenas de leis, Sólon já havia proclamado em alta voz: “Não quero valer-me da violência das tiranias”, mas sim da justiça. E um estudioso observou oportunamente o seguinte: “Na Ática dos primeiros séculos, o fato de que nenhum homem em cujas mãos o destino colocou o poder tenha deixado de exercê-lo nem a ele renunciado por amor à justiça é algo que teve consequências incalculáveis para a vida jurídica e política da Grécia e da Europa” (B. Snell). Mas a posição assumida por Sócrates foi ainda mais importante. Com ele, além de ser explicitamente teorizada, a concepção da revolução da não-violência foi demonstrada inclusive com sua própria morte, sendo desse modo transformada em uma “conquista para sempre”. Ainda recentemente, Martin Luther King, o líder negro norte-americano da revolução não-violenta, baseava-se nos princípios socráticos, além dos cristãos.