A “refutação” e a “maiêutica” socráticas

A “refutação” (élenchos), em certo sentido, constituía a pars destruens do método, ou seja, o momento em que Sócrates levava o interlocutor a reconhecer a sua própria ignorância. Primeiro, ele forçava vima definição do assunto sobre o qual se centrava a investigação; depois, escavava de vários modos a definição forne­cida, explicitava e destacava as carências e contradições que implicava; então, exortava o interlocutor a tentar uma nova definição, criticando-a e refutando-a com o mesmo procedimento; e assim continuava procedendo, até o momento em que o interlo­cutor se declarava ignorante.

E evidente que a discussão provocava irritação ou reações ainda piores nos sabichões e nos medíocres. Mas, nos melhores, a refutação provocava um efeito de purificação das falsas certezas, ou seja, um efeito de purificação da ignorância, a tal ponto que Platão podia escrever a respeito: “(...) Por todas essas coisas, (...) devemos afirmar que a refutação é a maior e mais fundamental purificação. E quem não foi por ela beneficiado, mesmo tratando- se do Grande Rei, não pode ser pensado senão como impuro das mais graves impurezas, privado de educação e até mesmo feio, precisamente naquelas coisas em relação às quais conviria que fosse purificado e belo no máximo grau alguém que verdadeira­mente quisesse ser homem feliz.”

E, assim, passamos ao segundo momento do método dialé­tico. Para Sócrates, a alma só pode alcançar a verdade “se dela estiver grávida”. Com efeito, como vimos, ele se professava igno­rante e, portanto, negava firmemente estar em condições de transmitir um saber aos outros ou, pelo menos, um saber consti­tuído por determinados conteúdos. Mas, da mesma forma que a mulher que está grávida no corpo tem necessidade da parteira para dar à luz, também o discípulo que tem a alma grávida de verdade tem necessidade de uma espécie de arte obstétrica espiritual que ajude essa verdade a vir à luz — e nisso consiste exatamente a “maiêutica” socrática.

Eis a estupenda página em que Platão descreve a maiêutica: “Ora, em todo o resto, a minha arte obstétrica se assemelha à das parteiras, mas difere em uma coisa: ela opera nos homens e não nas mulheres e assiste as almas parturientes e não os corpos. E minha maior capacidade de que, através dela, eu consigo discernir segura­mente se a alma do jovem está parindo fantasmas e mentiras ou a alguma coisa vital e real. Pois algo eu tenho em comum com as parteiras: também eu sou estéril (...) de sabedoria. E a reprovação que tantos já me fizeram, de que eu interrogo os outros, mas, eu próprio, nunca manifesto meu pensamento sobre nenhuma ques­tão, ignorante que sou, é uma reprovação muito verdadeira. E à razão é exatamente esta: Deus me leva a agir como obstetra, mas me interdita de gerar. Em mim mesmo, portanto, eu não sou nada sábio, nem de mim saiu qualquer descoberta sábia que seja geração de minha alma. Entretanto, todos aqueles que gostam de estar comigo, embora alguns deles pareçam inicialmente de todo igno­rantes, mais tarde, continuando a frequentar minha companhia, desde que Deus lhes permita, todos eles extraem disso um extraor­dinário proveito, como eles próprios e os outros podem ver. E está claro que não aprenderam nada de mim, mas só de si mesmos encontraram e geraram muitas e belas coisas. Mas o fato de tê-los ajudado a gerar, esse mérito sim cabe a Deus e a mim.”