A medicina hipocrática passou para a história como uma medicina baseada na doutrina dos quatro humores: “fleuma”, “sangue”, “bile amarela” e “bile negra”.
Ora, no Corpus Hippocraticum há um tratado, intitulado A natureza do homem, que codifica de modo paradigmático essa doutrina. Os antigos consideravam-no como sendo de Hipócrates, mas parece que o autor foi Políbio, genro de Hipócrates. Por outro lado, a rígida sistematizaçãodesse tratado sobre A natureza do homem não se coaduna com o conteúdo de A medicina antiga. Na realidade, tudo o que Hipócrates dizia em A medicina antiga precisava ser completado teoricamente com um esquema geral que fornecesse os quadros dentro dos quais se deveria ordenar a experiência médica. Hipócrates havia falado de “humores”, mas sem definir sistematicamente o seu número e as suas qualidades. Também havia falado da influência do quente, do Morno e das estações, como vimos, mas apenas como coordenadas ambientais. Políbio combinou a doutrina das quatro qualidades, proveniente dos médicos itálicos, com as doutrinas hipocráticas oportunamente desenvolvidas, compondo o seguinte quadro: a natureza do corpo humano é constituída por sangue, fleuma, bile amarela e bile negra; o homem está “sadio” quando esses humores estão “reciprocamente bem temperados por propriedade e quantidade” e a mistura é completa; entretanto, está “doente” quando “há excesso ou carência deles” ou quando falte aquela condição de “bem temperados”; aos humores correspondem as quatro estações, bem como quente e frio, seco e úmido.
Esse claro esquema, que conciliava instâncias opostas, e a lúcida síntese das doutrinas médicas nele baseada garantiram um imenso sucesso ao tratado. Galeno iria defender a autenticidade hipocrática do conteúdo desse texto e o completaria com uma elaborada doutrina dos “temperamentos”, de sorte que o esquema manteve-se comouma pedra de toque na história da medicina e um ponto de referência durante dois milênios.