O espaço, o tempo, o infinito

Os conceitos 1) de espaço e 2) de tempo estão relacionados com essa concepção de movimento.

1) Os objetos existem e se movem não no não-ser (que não é), mas em um “onde”, ou seja, em um lugar que, portanto, deve ser alguma coisa. Ademais, segundo Aristóteles, existe um “lugar natural” para o qual cada elemento parece tender por sua própria natureza: o fogo e o ar tendem para o “alto”, a terra e a água para “baixo”. Alto e baixo não são algo relativo, mas determinações “naturais”.

O que é então o lugar? Aristóteles chegou a uma primeira caracterização distinguindo o lugar que é comum a muitas coisas do lugar que é próprio de cada objeto: “O lugar, por um lado, é o lugar comum em que estão todos os corpos e, por outro lado, é o lugar particular em que, imediatamente, um corpo está (...) e, se o lugar é aquilo que imediatamente contém cada corpo, ele terá, então, um certo limite (...).” Posteriormente, Aristóteles precisa que “(...) o lugar é aquilo que contém aquele objeto de que é lugar e que não é nada da coisa mesma que contém”. Unindo as duas caracterizações, temos que o lugar é “(...) o limite do corpo conti­nente, enquanto é contíguo ao conteúdo”.

Por fim, Aristóteles precisa ainda que o lugar não deve ser confundido com o recipiente, pois o primeiro é imóvel, ao passo que o segundo é móvel. Em certo sentido, se poderia dizer que o lugar é o recipiente imóvel, ao passo que o recipiente é um lugar móvel:

“Assim como o vaso é um lugar transportável, o lugar é um vaso que não se pode transportar. Por isso, quando alguma coisa que está dentro de outra se move, transformando-se em uma coisa móvel, como um barquinho em um rio, ela se serve daquilo que a contém mais como um vaso do que como um lugar. O lugar, ao contrário, precisa ser imóvel; por isso, o rio inteiro é mais lugar, porque todo ele está imóvel. Portanto, o lugar é o primeiro imóvel limite do continente.” Essa é uma definição que ficou célebre e que os filósofos medievais fixaram na fórmula “terminus continentis immobilis primus”.

Assim, com base nessa concepção do espaço, o movimento geral do céu só é possível em sentido circular, ou seja, sobre si mesmo. O vácuo é impensável. Com efeito, se ele for entendido, como pretendiam os filósofos anteriores, como “lugar onde não há nada”, estalebece-se uma contradição em termos em relação à definição de lugar dada acima.

2) E o que é o tempo, essa misteriosa realidade que parece continuamente nos fugir, visto que “algumas partes já foram, outras estão por ser, mas nenhuma é”? Para resolver a questão, Aristóteles recorre ao “movimento” e à “alma”.

O fato de que o tempo está estreitamente relacionado com o movimento decorre do fato de que, quando não percebemos movi­mento e mutação, também não percebemos o tempo. Ora, a carac­terística do movimento, em sentido geral, é a continuidade. Mas no “contínuo”, distinguimos o “antes” e o “depois”. E o tempo é estreitamente ligado a essas distinções de “antes” e “depois”. Escreve Aristóteles: “Quando determinamos o tempo através da distinção do antes e do depois, também conhecemos o tempo. E então dizemos que o tempo cumpre o seu percurso, quando temos percepção do antes e do depois do movimento.” Daí a célebre definição: “Tempo é o número do movimento segundo o antes e o depois.”

Ora, a percepção do antes e do depois e, portanto, do número do movimento, pressupõe necessariamente a alma:“Quando (...) nós pensamos as extremidades como diferentes do meio e a alma nos sugere que os instantes são dois, isto é, o antes e o depois, então nós dizemos que entre esses dois instantes há um tempo, já que o tempo parece ser aquilo que é determinado pelo instante: e que isto permaneça como fundamento.”

Mas, se a alma é o princípio espiritual numerante e, assim, a condição da distinção entre o numerado e o número, então a alma toma-se conditio sine qua non do próprio tempo, podendo-se muito bem compreender a aporia que Aristóteles suaviza nesta passagem de imensa importância histórica:“Poder-se-ia (...) duvidar se o tempo existe ou não sem a existência da alma. Com efeito, não se admitindo a existência do numerante, também não haverá o número. Número, efetivamente, é aquilo que foi numerado ou que é numerável. Mas, se é verdade que, na natureza das coisas, somente a alma ou o intelecto que está na alma tem a capacidade de numerar, então revela-se impossível a existência do tempo sem a existência da alma

Esse é um pensamento fortemente antecipador da perspec­tiva agostiniana e das concepções espiritualistas do tempo, mas que só recentemente recebeu a atenção que merecia.

3) Aristóteles nega que exista um infinito em ato. E, quando fala de infinito, entende sobretudo “corpo” infinito. E os argumen­tos que apresenta contra a existência de infinito em ato são precisamente contra a existência de um corpo infinito. O infinito só existe como potência ou em potência. Infinito em potência, por exemplo, é o número, porque é possível acrescentar a qualquer número sempre outro número sem se chegar ao limite extremo, além do qual não se possa mais andar. O espaço também é infinito em potência, porque édivisível ao infinito, e o resultado da divisão é sempre uma grandeza que, como tal, é ulteriormente divisível. Por fim, o tempo também é infinito potencial, pois ele não pode existir todo junto ao mesmo tempo, mas se desenvolve e se acresce sem fim. Aristóteles nem mesmo longinquamente entreviu a idéia de que o infinito pudesse ser o imaterial, precisamente porque ele relacionava o infinito com a categoria da “quantidade”, que só vale para o sensível. E isso explica também por que ele acabou por referendar definitivamente a idéia pitagórica de que a,finito é perfeito e o infinito é imperfeito.