A física aristotélica não investiga somente o universo físico e sua estrutura, mas também os seres que estão no universo, tanto os seres inanimados e sem razão como os seres animados e dotados de razão (o homem). O Estagirita dedica uma atenção muito particular aos seres animados, elaborando uma grande quantidade de tratados, dentre os quais se destaca pela profundidade, a originalidade e o valor especulativo, o célebre tratado Sobre a alma, que examinaremos agora.
Os seres animados se diferenciam dos seres inanimados porque possuem um princípio que lhes dá a vida. E esse princípio é a alma. Mas o que é a alma? Para responder à questão, Aristóteles remete-se à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade, segundo a qual todas as coisas em geral são sinolos de matéria e forma, onde a matéria épotência e a forma é enteléquia ou ato. Isso, naturalmente, vale também para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida mas não são vida. Assim, são como que o substrato material e potencial do qual a alma é “forma” e “ato”. Temos assim a célebre definição de alma, que tanto êxito alcançou: “E necessário que a alma seja substância como forma de um corpo físico que tem vida em potência; mas a substância como forma é enteléquia (= ato); a alma, portanto, é enteléquia de um corpo assim. (...) Portanto, a alma é enteléquia primeira de um corpo físico que tem a vida em potência.”
Assim raciocina Aristóteles: como os fenômenos da vida pressupõem determinadas operações constantes claramente diferenciadas (a tal ponto que algumas delas podem existir em alguns seres sem que as outras estejam presentes), então também a alma, que é princípio de vida, deve ter capacidades, funções ou partes que presidem essas operações e as regulam. Ora, os fenômenos e funções fundamentais da vida são: a) de caráter vegetativo, como nascimento, nutrição e crescimento; b) de caráter sensitivo-motor, como sensação e movimento; c) de caráter intelectivo, como conhecimento, deliberação e escolha. Assim sendo, por essas razões, Aristóteles introduz a distinção entre a) “alma vegetativa”, b) “alma sensitiva” e c) “alma intelectiva” ou racional.
As plantas possuem só a alma vegetativa, os animais avegetativa e a sensitiva, ao passo que os homens a vegetativa,a sensitiva e a racional. Para possuir a alma racional, o homem deve possuir as outras duas; da mesma forma, para possuir a alma sensitiva, o animal deve possuir a vegetativa;no entanto, é possível possuir a alma vegetativa sem possuir as almas sucessivas. No que se refere à alma intelectiva, porém, o discurso é bem diverso e complexo, como veremos.